“Sabe do que mais sinto falta no seu blog? Crônicas”. De fato, eu nunca tinha considerado a possibilidade de escrever algo do gênero até escutar esta crítica maravilhosa.
Tomado de uma súbita inspiração, estudei suas características, li alguns textos de cronistas brasileiros conceituados e, enfim, sentei-me para escrever. Surpreendi-me com a facilidade com que concluí o texto em apenas dois dias (revisei-o apenas 4 vezes)!
Se este pode ou não ser classificado como uma crônica, deixo para os leitores decidirem.
E o que tem de complicado?
Noite. Caminhando na calçada à frente do parque municipal, penso como são complicados os relacionamentos. A peça de teatro que acabo de ver, pouco inspirada (e ainda menos original), leva-me a uma breve reflexão: como pode a infidelidade ser tema de uma comédia? A traição é um ato de total desrespeito ao companheiro, no mínimo, e não deveria ser banalizada.
Cogitando iniciar um papo cabeça a respeito disto, olho para o lado, mas o semblante sério e o olhar distante desencorajam-me. Descarto o tópico sem demora e tento quebrar o gelo: pipoca? “Não tenho fome”. É, está mesmo um pouco salgada. Um refrigerante, quem sabe? Também não.
Um vento sopra suave pela avenida. Que frio, eu comento, mas ela discorda. “A noite está fresca”. Está mesmo, bem agradável; não é nada espetacular, mas está bonita também. Uma lua em arco, estrelas aqui e acolá por entre nuvens algodoadas. Uma boa noite para estar na melhor das companhias. E, no entanto, sinto frio.
Dois ônibus passam pelo ponto. Estivesse sozinho, qualquer um deles me serviria, mas, muito provavelmente, não teriam chegado tão rápido. Tanto melhor. Não tenho pressa, tampouco me importa o tempo. Minha mente é um turbilhão: busco palavras adequadas, formulo frases com cuidado, mas nada parece adequado o bastante.
Enfim embarcamos, sentamos lado a lado. Apenas falas vazias. De relance, noto a expressão curiosa do cobrador, mas relevo; minha atenção tem exclusividade agora. Desisto de tentar encontrar sentido em minha cabeça. Solto a língua, soprando amenidades. Surge um interesse genuíno, mas o ar contemplativo nunca deixa as feições dela.
De repente, o cobrador salta e corre para o fundo do ônibus, surpreendendo a todos. Então entendo o que chamava sua atenção: um senhor embriagado jogava-se, literalmente, sobre uma moça. Algo estala em minha mente e percebo que conheço o “tarado” de outras viagens – em todas elas, ele sempre fora todo álcool e liberdades com o sexo oposto.
É uma figura recorrente; pobre e inconveniente diabo, tolerado por alguns motoristas para o desespero das damas e o divertimento alheio. Não entendo como os outros não percebem que suas risadas só encorajaram ainda mais o papel patético. O cobrador, porém, não vê graça ali e parece mais interessado em entregar o coitado à polícia.
Convenientemente, há uma blitz da Guarda Municipal no caminho, o que explica o incomum engarrafamento para o horário. Mas nada disso importa. Que o trânsito agarre, o coitado seja entregue a polícia e que resista à prisão, o ônibus quebre, que qualquer coisa faça o tempo se arrastar. Só quero desfrutar da companhia.
A viagem prossegue. O senhor tarado atrai olhares, comentários e chacotas até sua descida. “Eu ajudo o senhor, mas não encoste em mim”, diz uma passageira em certo momento. Mais risadas. Pobre bufão. Meio alheio aos eventos, eu me concentro nas palavras trocadas; talvez a noite ainda possa ser salva.
Chegamos e caminhamos, agora de mãos dadas. Sinto um peso sendo retirado do espírito. Eu caminho de coração aberto, sentimentos à flor da pele. Numa praça nos sentamos, e ali deixo que minha alma fale por mim.
Conversamos por um tempo imensurável, pois não me importa mensurá-lo. Trocamos dúvidas e angústias, possibilidades, revelamo-nos um para o outro, sem grilhões, destemidos. Relacionamentos são complicados. Mas não há complexidade que supere o amor genuíno. Acredito nisto, sempre acreditei, e as sensações provocadas por sua simples presença apenas confirmam esta certeza.
Um abraço, olhos mareados, e, súbito, não sinto mais frio. Olho para o céu e vejo; vejo a lua em arco, estrelas aqui e acolá, nuvens algodoadas. Uma boa noite, a melhor das companhias. Há ainda muito a resolver, mas não penso nisto agora. Neste breve momento, num abraço que diz mais que qualquer palavra, há apenas nós dois… e o amor. E amor, meu caro, é tudo o que é preciso.
Cara, muito bom mesmo! Gostei demais! Meus olhos marejaram!
Sou novato na escrita, mas a amo o bastante para me tornar profissional e você, cara, é uma das minhas motivações. Te Admiro!
Eitcha. Obrigado pela moral, Ragner. Espero que as dicas do Escriba te ajudem nessa jornada.
🙂
Abração.
Estou no começo da jornada meu caro. Sinto o amadurecimento acontecendo. Foi uma grata surpresa encontrar seu blog. Gostei da obstinação. Tua escrita é leve, a tomar por essa crônica. Insista dai que eu me inspiro daqui.
Abraço!
Obstinação é a palavra, Ronnei. Espero vê-lo mais por aqui. E vamos que vamos, insistindo sempre. 😉
Abraço.
Que texto bom. Não gosto de comentar, mas não posso deixar de elogiar uma bela escrita.
Grato, Wender. De verdade. 🙂
Abraços.
Outras crônicas:
2. Inspiração Efêmera
3. Tolkien é Tolkien, Martin é Martin
4. Vendo a vida passar
Muito bacana, fera! Mete bronca aí!
‘Xá comigo, Oliveira. 😛
Parabéns, Escriba!
Bela estreia no etéreo mundo das crônicas.
É um texto leve, gostoso. Pareço ler uma requintada página de seu diário pessoal. Só me ressinto pela barra de rolagem, que chegou tão rápido ao fim. Poderia ler livros do tema, do autor, e do estilo.
Aguardo as próximas!
Nada como uma boa crítica construtiva, não é? Tenho uma bela musa a inspirar-me.