O efeito nhé – Crônica Convidada

A FIFA anunciou a mascote da Copa do Mundo de 2014. Um evento ainda está sendo programado para oficializar sua apresentação ao grande público e um concurso na internet está acontecendo para definir o seu nome. Nossa mascote? Um tatu-bola.

Olhei bem para a carinha dele hoje de manhã antes de precipitar um julgamento: olhos grandes, em desproporção ao rosto, que exploram bem a artimanha clássica de ilustradores que pretendem conferir inocência e amabilidade ao desenho; sutilmente trabalhado nas cores verde, amarelo, azul e branca, para evidenciar o patriotismo; uma expressão sapeca e uma postura articulada.

Contudo, minha inevitável primeira impressão não foi inspiradora. Um misto de desapontamento e conformação foi traduzido em um bico e um resmungo: “Nhé”. Por que o cândido tatuzinho não me inspirou? Por que não vi nada além de mediocridade em seus redondos e infantis olhos verdes? Em busca de acalento, li os comentários em alguns portais onde a notícia havia sido publicada.

Os comentários simpáticos como “as crianças vão adorar”, “até que ele é bonitinho” e “seria pior se fosse um macaco”, estão afogados em um mar de críticas que foram além do “nhé” e que beiraram o nojo e a repulsa. Separei alguns dos mais inflamados:

  • Ridículo. Me lembrou um Avatar;
  • Parece que foi um aluno da turma iniciante de Design da Microlins quem fez;
  • Maurício de Souza, socorro;
  • Tem cara de tartaruga;
  • É pior que a logo da Copa;
  • Será isso um Clipart do Word 97?
  • Perfeito! Escolheram um bicho que se enterra em um buraco, come carniça e que vive com a bola nas mãos. Podia chamar Mensalinho;
  • Uma mascote feia é o menor de nossos problemas! Ainda faltam 12 estádios, 1 seleção, 1 técnico, 30 hotéis, 14 aeroportos, 120.000 km de rodovias, 2.000 km de metrô, 6 trens-bala, 115 favelas pacificadas, 33.000 soldados preparados, 2000 restaurantes e 150.000 motoristas de taxi falando inglês;

Por mais que a clemência ao gênio Maurício de Souza tenha feito sentido para mim, assumi a obrigação de defender o bicho. Nossa mascote não é visualmente pior que o ursinho Misha, símbolo das Olimpíadas de Moscou, em 1980. Até hoje ele é a mascote mais amada e lembrada dos jogos, tanto que eu, nascida em 1990, conheço a cena do mosaico choroso na festa de encerramento.

No entanto, não foi a fofura de Misha, ou técnica impecável de seu autor que o imortalizou no imaginário global, mas o orgulho russo em ostentar o ursinho. Na contramão da lógica, o costume nacional é desvalorizar o produto interno e minar todas as suas potencialidades. Se nós não gostamos de nosso trabalho, por que outros haveriam de gostar? Ao criticar o Brasil, o mundo segue a tendência que nós mesmos começamos.

Nosso tatu-bola só é inexpressivo, pois nenhum valor foi agregado a ele ainda. Outros símbolos, hoje ícones mundiais, um dia também não tiveram valor. Aposto que já acharam o símbolo da Nike imbecil , pouco menos expressivo que um acento ortográfico. Precisamos entender que o desenho, por si só, não será motivo de inspiração. A inspiração está no que ele significa e representa: o nosso país, o nosso povo e a nossa pentelhice.

Sobre a autora

Lorena Otero é jornalista e trabalha em uma agência de comunicação. Fora os textos do trabalho, há um ano que só lê o Escriba, revistas e os livros do George Martin. Fica feliz na época de horário político e detesta verduras e insetos.

Já escreveu um livro infantil de quatro páginas quando tinha sete anos e acreditou quando a professora disse que ela tinha jeito com as palavras. Deviam prestar mais atenção nos profissionais de educação deste país.

Para saber mais:

  1. Coluna de Lauro Jardim na Veja: artigo que anuncia a mascote da Copa de 2014 e inspirou a cronista Lorena Otero.

12 Comentários

  1. Lorena Otero

    Eu até tentei levantar a nossa bola. Mas por mais que a gente consiga engolir a cara do Tatu, vai ser difícil acostumar com qualquer um dos nomes dele: Amijubi, Fuleco ou Zuzeco.

    • T.K. Pereira

      Ééééé… não curti as opções também, srta. Otero.

      Abraço,

  2. Janaina

    Sou meio suspeita para falar, então aguardo um artigo falando sobre a aposentadoria precoce da atleta Daiane dos Santos; tenho certeza de que a Lorena tem algo a dizer. 🙂

    • Lorena Otero

      Sobre a aposentadoria eu não sei. Sobre a coreografia, com certeza!

    • Profilático Urbano

      Com o perdão da intromissão, um rápido artigo sobre a aposentadoria da Daiane:

      A ginasta olímpica Daiane dos Santos anuncia a sua aposentadoria, o que levou muitos a indagarem: “ela ainda competia?”.

      Brincadeira, Daiane, nós te amamos!

  3. Profilático Urbano

    Muito bom. Verdade essa mania que nós, brasileiros, temos de sempre desvalorizar nossos produtos nacionais. Precisamos de uma incrível lição de patriotismo. Aquilo que os americanos têm em excesso, nós poderíamos importar um pouquinho.

    Confesso que fiz “nhé” pro tatuzinho (nome?), mas após ler esse artigo realmente me interessei em apoiá-lo e tenho certeza de que o companheirinho aí vai crescer no coração do povo.

    Ah sim, em minha opinião, Misha é muito feio!

    • T.K. Pereira

      Meu caro, Profilático.

      Seu comentário foi bem colocado. O até então rejeitado tatu-bola ainda não tem nome – este deverá ser escolhido por votação popular na Internet.

      Quanto ao pobre Misha: ele tem lá seu carisma, mas concordo que não é um dos meus mascotes de Copa favoritos.

      Abraços e espero ver seu blog no ar em breve,

      • Profilático Urbano

        O carisma do camarada Misha é a garrafa de vodka que ele esconde por baixo da pelagem. Pensa que me engana. Scavuska pra esse russo comunista!

        E uma sugestão de nome pro amigo tatu: Nhé. E sua marca característica seria a dancinha do siri da cerveja: “nhé nhé nhé nhé”!

    • Lorena Otero

      Obrigada, Profilático! Fico feliz em ter surtido algum efeito.

    • Lorena Otero

      Também curti demais o “Nhé” como nome. Pelo menos não é uma piada pronta, tipo Fuleco.

  4. urathander

    Excelente artigo, parabéns. Sem entrar no mérito das críticas, o pior inimigo do Brasil somos nós mesmos, infelizmente.

    • Lorena Otero

      Obrigada! Mas por mais viscerais que sejam, algumas críticas são bem engraçadas. Poderíamos usar esse dom para o bem, e não para o mal.

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