Parado diante do portão, eu a vejo do outro lado da rua. Como um observador empenhado em decifrar uma obra de arte, permito-me contemplá-la num misto de fascínio e incerteza.
Então tudo ao seu redor assume aspectos de fantasia, a natureza conspirando para colorir diante de mim um quadro de pura beleza: sob um mar celestial, numa tarde de verão, uma musa em bronze banhada por águas cristalinas que lhe refrescam o corpo e a alma.
Como uma criança a divertir-se, ela sorri; não há sinal das preocupações que até a pouco a consumiam. Não posso evitar o fluxo de sensações que me acomete e agita os pensamentos. Ali está a mulher por quem me apaixonei, aquela que usufrui tudo o que a vida tem a oferecer, capaz de enxergar as mais terríveis situações de modo otimista, de transmutar lágrimas em sorrisos. Penso que não por menos todos a amam.
Em seguida, repito internamente, pela enésima vez, que ninguém jamais a amará tanto quanto eu. Exagero? Recuso-me a crer, eu que a conheço e aceito em todas as suas perfeições e imperfeições, que me disponho a transpor qualquer obstáculo só pela satisfação mesquinha de apreciar aquele sorriso, que a todos encanta, que a tudo ilumina, que à alma alenta.
Amor é isso, imagino; é querer bem, e cuidar, compartilhar instantes, rir e chorar; é tudo isso e mais, muito mais. É saber-se capaz de subir ao mais alto pico apenas para lançar-se das alturas às profundezas, gritando o nome da pessoa amada a plenos pulmões para que ecoe por toda a eternidade. Amar não é viver por, mas é viver com. Estremeço. A musa se volta para mim, lançando gélidas gotas d’água que me retiram de meu transe.
Ela galhofa e eu a amo ainda mais. Então, ao vê-la ali, radiante sob o sol, as roupas e os cabelos ensopados, estremeço novamente, agora abalado pela consciência da imensidão do sentimento que trago no peito. Que seria de mim sem ela, atrevo-me a cogitar. Sucumbiria, sem dúvida; não ante o peso da paixão perdida, mas do amor natural, simples e puro.
As palavras de Vinicius de Moraes em seu Soneto de Fidelidade, que até então me eram totalmente desconhecidas, ressoam em mim: “que não seja imortal, posto que é chama; mas que seja infinito enquanto dure”. A definição mais perfeita do amor, disse-me ela certa vez. Não sei se sou capaz de traduzi-lo tão eloquentemente.
Ora, que me perdoem, mas não creio que ninguém seja capaz! Amor não se define, amor se sente; ele não é lógico, não pode ser capturado em palavras, imagens ou sons. E com todo o respeito a Vinicius de Moraes, mas quero crer que o amor que carrego em mim é sim imortal e durará uma infinidade.
Mesmo que minha racionalidade tola me tenha tentado ludibriar, senti isso no primeiro momento em que a beijei; e em todas as vezes em que a vi sorrir, como agora. Bem ali, do outro lado da rua, eu a vejo resplandecer. Os olhos a brilhar como estrelas vespertinas; mareados pelas águas cristalinas, parecem verter lágrimas de pura felicidade.
Eu me deixo envolver e retribuo com um sorriso. Um sorriso bobo e sem graça, mas verdadeiro, sincero. Sorrio por nada, apenas pela alegria de estar ali, ao lado daquela que me ama… e que sabe ser igualmente amada.
Fazia um tempão que não postava uma crônica ( 😀 ) e, cara, muito bom!
Você não é o único que está sentindo falta de mais crônicas por aqui, nobre Isaac. 😉
Fico feliz que tenha gostado.
Abraços,