Na última quinta-feira, saí de casa animada pelo expediente curto. Essas horas a menos no trabalho eram minha maior relação com a estreia do Brasil na Copa do Mundo. Escolhi um vestido verde apagadinho, perfeito para não levantar suspeitas. Pra quem #naovaitercopa, eu era mais uma que não dava a mínima para o mundial. Para quem #vaitercopasim, eu me misturava perfeitamente em uma torcida de verdes, amarelos e azuis berrantes. A verdade é que eu já me sentia casada da Copa e não queria me dar o trabalho de tomar um partido.
Os absurdos que a FIFA fez no Brasil, com a bênção do governo federal, são motivos reais de indignação. Não tínhamos condição financeira de hospedar um evento dessa magnitude, muito menos moral para impor respeito. Os protestos que começaram com a defesa de um ideal e explodiram em um manifesto de insatisfação à política, se esfriaram porque eram poucos aqueles que sabiam o que estavam fazendo. A grande maioria foi levada pelo clima, foi palha envolvida pela chama.
Hoje, os protestos são povoados por mascarados violentos que se distanciam de seu significado. Onde está a lógica da minha crítica se, para condenar a violação ao meu país, eu destruo os símbolos da minha cidade? No meio destes, alguns românticos vazios nem sabem direito o que defendem com argumentos genéricos, se colocando em risco e alimentando um movimento descaracterizado. Os estudantes dos diretórios acadêmicos, militantes e cidadãos inteligentes que, no início de tudo, comandaram essa rebelião contra a omissão dos governantes, estão desfocados por pessoas que não os representam.
A cereja no topo do bolo é a elite brasileira. No ano passado, mauricinhos e patricinhas de toda parte se deixaram levar pela beleza das avenidas lotadas e pelo orgulho de ser brasileiro. Este ano, eles só querem chegar cedo em casa e esperam que não nenhum black block ouse a entrar em seu caminho. Na abertura da Copa, foram eles que ofenderam a presidente Dilma Roussef, provando que alta escolaridade não tem nada a ver com educação.
Essa Copa do Brasil nem é feito da Dilma, meu povo. Quando fomos escolhidos para sediar o mundial, foi o Lula com seus quatro dedinhos que apertou a mão do Joseph Blatter, todo sorridente. Isso aconteceu em setembro de 2007 e, se não estou enganada, tinha quase tanta gente na rua comemorando o resultado anunciado pela FIFA quanto tinham nas manifestações de 2013.
O ímpeto que levou toda essa classe a média desabafar no estádio palavrões repreendidos em suas residências é feito do mesmo material que move os mascarados nos atos de vandalismo: anonimato. Dentro de um grupo, eu não tenho personalidade, não tenho voz e faço parte de uma massa sem rosto. O meu grito no estádio se soma ao coro. Minha pedra na vidraça se soma ao carro da imprensa incendiado. Ninguém é culpado quando a responsabilidade é de todos.
Por tudo isso, eu estava com preguiça da Copa. Já tinha saturado o tema e a ideia de conviver com o campeonato por mais um mês me desanimava profundamente. No entanto, foi só quando meu namorado me obrigou a assistir o jogo que eu percebi o que eu estava ignorando na minha pretensiosa análise da situação. A Copa do mundo não é só determinação nonsense, não é só corrupção, não é só declaração babaca de ex-jogador despreparado. É a maior festa do futebol, uma das poucas coisas capazes de nos unir como nação. Cada brasileiro, em algum momento de sua história, já utilizou o número de Copas que assistiu como unidade de medida da própria vida. Isso é grandioso demais para ser desvalorizado.
Nesta terça, quando o Brasil joga de novo, o verde da minha roupa vai ficar mais corajoso. Vou para o trabalho com a camisa da CBF de apenas quatro estrelas que ganhei no ano do Penta. Ela é velha, um pouco encardida, e tem quase quatro vezes o meu tamanho. Mesmo assim, vou andar pela rua orgulhosa, e esse sentimento não tem nada a ver com o governo que abriu as pernas para a FIFA ou os amigos militantes que vão me julgar pelo “patriotismo alienado”.
Essa camisa é o meu pai vestindo a filha de 12 anos com a roupa do próprio corpo porque não queria ninguém da família descaracterizado durante o jogo. É a minha sogra que, mesmo durante uma fase de luto e tristeza, vibrou e gritou de alegria quando o Oscar fez o terceiro gol. É minha mãe, eterna desapegada de todos os bens materiais, guardar minha touca listrada de verde amarelo porque sabe que me dá sorte. É a vitória de ter mantido a mesma turma de amigos para torcer por mais uma Copa. Não é fechar os olhos para a situação política do meu país. É me permitir viver uma alegria que faz parte da cultura brasileira.
Para saber mais:
- O efeito nhé: onde a cronista convidada Lorena Otero comenta sobre o mascote da Copa.
- Pautas Caídas: blog ao qual a cronista pretende se dedicar mais no futuro.
Comigo aconteceu algo muito parecido; minha cabeça dizia “não vou torcer, é melhor para o futuro o Brasil perder a copa”, mas foi só tocar o hino nacional que meu coração gritou: “dane-se, o futuro a gente revolve depois; dá-lhe Brasil!”