Então eu te vi. Como quem vê banalidades atuais. A gente corria por aí. Bicicletas observáveis. Lojas, supermercados, o dia a dia que ainda pode matar. Era uma tatuagem a caminhar. Flores surreais, plurais. Olhar para trás pode ser um ataque, pode começar uma guerra, houve notícias que viraram sal.
Na mesma cidade você carregava pesos fechados em caixa. Eu descia leve, faminta. Entre nós, pessoas com suas vidas misteriosas desciam, subiam e se procuravam.
Num instinto deixei um recado, talvez direito. Com restante poético embalado, enrolado, feito um futuro cigarro, com nome perfurado.Eu que nem fumo. Sem querer parecer forte saiu um pouco sagrado. Senti. Um exibicionismo da minha mão que reporta a teclas infinitas. Ah, se eu pudesse fazer você perder a linearidade!
Essa pose por fora. Essa coisa marrenta que desmancha no sol, ao calor jogado. Aposto que vai marcar a facadas por semanas, até se desmanchar no breu do quarto. A noite serve para desvanecer sonhos.
Pronunciei nome. Eu, já esquecida dessa matemática. Como nas brincadeiras dos meninos houve obrigatoriamente um codinome, um apelido. Nos gritos de passarelas, nos carros quando passam. Como chamar? Veio aflição. Poderia guardar as letras que lembraram guerra. As infinitas numerologias feitas por mim, quando veio possibilidade estacionada perto de casa.
Motivos estéreis moveram a hora do seu trabalho. Refeições de medo, vigília, exageros, total submissão.
Além disso, a textura dos cabelos que toquei. Posso descrever até a sensação que não tive, crio uma paisagem negra e brilhante. Farfalhante de quando fala. Um reflexo noturno me encantaria. De lua, de luz fraca, poste, faróis à quase manhã.
Pena, ficamos com a preservação do negro. Dos costumes habituados. Dos vícios incorporados. Das infelicidades não ditas nem esclarecidas. Roupas negras, coisas negras no rosto… Olhar diminuído. Sono. Apreensão. Nada que tenha sido eu a causa. Mal acabei de voltar de mim e vem você, “se” aparecendo assim, sem permissão, sem prévia, sem piedade. Minha porteira é de ventania, não tenho como travá-la. Coisa de interior. De estrada percorrida, poeira e gado no pasto. De repente desce raio.
Não se engane. Sinto muito que não seja preservada a beleza poética do desmatamento de roupas. Seu sorriso não me olha, é um fetiche de obrigação. Uma vontade de mudar que não chega a caminhar, um aborto até. Claro que vi, até sabia do fim, só não pude evitar.
Descarregue o que tinha. Toque lindamente. Já desci, mesmo querendo ficar e ver a tortura permanecer. Não era hora, máquina do tempo perdido. Chovia. Para evitar, morri. Não sei bem se eu chorava, afobava ou dormia. Foi quando cheguei de novo em mim. Foi bem aqui. Me esfolei na cerca, tinha luz ligada, serviu de nada. Nem placas, nem trovões ou diversas claridades. Aproveite suas razões. Eu, a encantada.
Para saber mais:
- Universos Paralelos: confira mais esta criativa crônica de Aden Camargos.
- Aden no Facebook: perfil da cronista na rede social.
Brilhante a crônica. Muito talentosa a escritora. A compreensão da crônica de inicio é um tanto desafiador, mas isso que a torna ainda melhor.
A Aden é mesmo talentosa. É um prazer tê-la publicando aqui no site. 🙂
Abraços.