Este é o vigésimo oitavo de 30 artigos sobre construção de mundos escritos por Stephanie Cottrel Bryant e traduzidos por muá, Diogo Ruan Orta. Publicado em 2007 para participantes do NaNoWriMo, este tutorial prático e baseado em livros sobre o tema permanece uma ferramenta útil.
No exercício anterior, nós revisamos e finalizamos os ganchos de enredo preferidos de nosso romance. Hoje vamos fazer um apanhado geral de diversos aspectos menores da construção de mundo que negligenciamos até aqui. Pegue seu caderno e um relógio aí e separe alguns minutinhos para a leitura e o exercício do dia.
30 Dias de Construção de Mundo, por Stephanie Cottrell Bryant
Dia 28: O Que Deixamos Passar?
Em qualquer grupo de construção de mundo haverá algo deixado de fora, coisas que o autor dos exercícios (eu) esqueceu ou negligenciou, ou apenas coisas que não o preocupam.
Tentei me manter alerta a isso neste tutorial e também aos tópicos que sugeridos por outras pessoas, mas é provável que eu tenha esquecido algo importante.
Então, o que eu esqueci? Alguns dos tópicos que me vêm à mente de pronto são:
Vestimenta: o que é considerado moda em seu mundo?
Alimentação e Cozinhas: alimentos em seu mundo são substancialmente diferentes? E quanto à preparação dos pratos e às áreas de cozinha?
Saneamento e higiene: nós não lemos ficção especulativa para ver pessoas indo ao banheiro, mas quão limpo é o seu mundo? Como grandes concentrações de pessoas lidam com resíduos (tanto os biológicos quanto o lixo nosso de cada dia)? A história de um mundo pode mudar com a mudança dos esgotos, por exemplo: a pólio não era um problema sério até que esgotos fechados diminuíram à exposição de crianças ao transmissor da doença. Não esqueçamos também da higiene e dos banhos.
Doença e Tratamento, Medicamentos: da mesma maneira, como a medicina funciona em seu mundo? Como as pessoas aplacam a dor? O que elas fazem em relação às doenças? Como elas se curam? Existem hospitais, curandeiros, enfermarias, médicos?
Tratamento de Idosos: uma questão relatada: seus idosos flutuam à deriva em icebergs? Eles são internados em asilos? Eles são convertidos em vidas imaginárias hiper-produtivas em um mundo de realidade virtual? Eles são reverenciados? Destratados?
Aplicação de Leis e Encarceramento: encarceramento duradouro é um fenômeno moderno, o qual nem parece funcionar muito bem, em vista da superpopulação nas prisões. O que ocorre aos criminosos em seu mundo? Multas? Contendas? Mutilação olho por olho? Controle por microchips? Você tem prisões?
Animais de Estimação: muitos humanos creem que o que distingue a humanidade é o desejo de cuidar de um animal de estimação (o gorila Koko seria uma exceção à regra; NdT: ela fala com humanos e cuida de gatinhos). E mais, a definição de “animal de estimação” nem sempre foi a mesma, e o desejo por ter certos animais muda quando se percebe que um ou outro não pode ser domesticado. As pessoas de seu mundo mantêm animais de estimação, e, se sim, de que tipo?
Exercício de Hoje:
Dedique 15 minutos para pensar sobre dois ou três dos “tópicos negligenciados” acima e tente se lembrar de outros aspectos de construção de mundos que você gostaria de encontrar neste tutorial e não encontrou.
Comentários de um Leitor: Dreamway escreveu em: 17/01/2005, à 1:46h
Já que estou às voltas com a ideia de construir uma cidade de tecnologia média:
Onde estão as zonas tectônicas ativas? Em resumo, está é a Cidade dos Tremores? Quantos terremotos dignos de nota por ano, ou mês, você tem? É como em Pompéia, onde, em memória da humanidade ali, a montanha coberta com vinhas tem liberado fumaça de vez em quando, mas nunca entrou em erupção? Ou é uma área onde as pessoas observam as colinas nervosamente em busca de sinais de fumaça, como na Islândia?
Terremoto e vulcanismo podem ocorrem em qualquer lugar em torno de um anel de fogo, ou outras junções tectônicas com subducção do solo marítimo. Isso pode muito bem afetar coisas como arquitetura (habitações descartáveis japonesas, códigos de segurança de terremotos em Los Angeles após o tremor de 1932) ou isso pode ser ignorado e levar a desastres (casas rígidas frágeis que desabam sobre seus moradores, etc).
Arquitetura: ela reflete o utilitarismo puro ou existem aspectos antiquados, como uma casa em Malibu com níveis de divisão em estilo neo-Tudor e que não requer um telhado inclinado resistente à neve, ou um edifício comercial em estilo neogótico com gárgulas? Do que são feitas as construções, e isso varia de acordo com a condição social? Existe aquele velho ditado que diz “encontrei Roma como uma cidade de madeira e tijolos e a deixei como uma cidade de pedra” ou algo assim.
Se for uma construção de vários andares, como você transita entre eles? Degraus, escadas de mão, rampas? Note que as construções japonesas tradicionais utilizam acessos íngremes muito estreitos que ficam ali entre degraus e escadas, sendo que a passagem para o piso superior é um buraco relativamente pequeno.
A arquitetura influencia a moda? Ou seja, o conceito de degraus estreitos é tão arraigado que coisas como saias de aro nunca passariam por ali? Isso varia de acordo com a posição social? O que preenche, do que são feitas as janelas? De armações de vidro? Vidraças corrediças com pergaminhos banhados em óleo na armação? Persianas?
Planejamento Urbano: eu tenho alguns livros adoráveis sobre cidades medievais, romanas e gregas, pra não dizer planos de sítios arqueológicos de outras mais antigas e não europeias. O determinante principal parece ser: cidades muradas ou sem fortificações? A tendência nas cidades medievais era direcionar o desenvolvimento ao longo das ruas entre os portões.
A cidade cresceu a partir da casa de um governante como em Tara ou de um sítio cerimonial como num centro maia? Ela é limitada por gradeamento como em uma colônia clássica, ou há uma zona confusa em algum lugar, alguma forma primitiva ou um terreno ruim? A história pode refletir nisso.
Onde está água? Você precisa ir a algum poço ou córrego fora dos portões da cidade/aldeia para obtê-la? É uma longa distância para mulheres percorrerem, já que elas são incumbidas, na maioria das culturas, desta tarefa. Os homens assumem isso pra si em sua cultura por ser perigoso? Salteadores podem tentar sequestrar mulheres enquanto os homens estão lá fora, caso você queira deixá-las a cargo dessa tarefa.
Existe um córrego cortando a cidade e se tornando mais e mais poluído à medida que esgotos e canalizações desaguam nele? As pessoas mais ricas vivem nas margens contra a correnteza? Por que não, se eles têm dinheiro e poder? Existem fontes naturais situadas aqui e ali? Fontes com tubulações em cada vizinhança? Há água corrente nas cisternas? Lembre-se de que é necessário um sistema de água pressurizada para bombear água acima do nível da fonte, razão pela qual as privadas foram desenvolvidas tão tardiamente.
Esquentando o lugar: ou esfriando-o. Os antigos utilizavam braseiros, que forneciam também uma luz constante e a inalação de fumaça. Os romanos tinham salas aquecidas com vapor (o sistema mais civilizado). As chaminés foram inventadas por volta de 1100, mas como qualquer pessoa que já tenha se mudado para uma casa com uma chaminé mal construída sabe, elas demoraram a ser aperfeiçoadas.
Pensamos nas casas do início do século 19 equipadas com lareiras, mas na Alemanha elas só eram comuns nas grandes casas ou naquelas muito pobres. Os demais utilizavam fogões de aquecimento fechados, alimentados a partir de um corredor especial onde o combustível era mantido empilhado.
No tempo quente, existem punkah wallahs (NdT: palavra indiana para designar o operador de um ventilador manual) puxando uma corda para operar um grande pano que pende do teto, ou há resfriamento passivo, como nas casas havaianas? Note que só europeus loucos apreciam toneladas de luz solar fluindo por grandes janelas no verão. Construções tradicionais de áreas quentes têm janelas pequenas ou elevadas sob a sombra de beirais. Como minha avó Orbe me ensinou, luz solar É calor.
FOGO! Como as pessoas lidam com os surtos de incêndio? Quão frequentes ou perigosos eles são? No museu Colonial Williamsburg ressalta-se que as cozinhas eram prédios separados para evitar que, quando incendiados, algo que ocorria com frequência, o fogo consumisse também o prédio principal, e isso foi na capital da Virginia em 1776.
Há uma brigada de incêndio constituída pelos vizinhos? Há companhias de bombeiros privadas como aquelas primeiras que apenas apagavam o fogo em um prédio que exibisse uma etiqueta comprovando que o pagamento de taxas tinha sido realizado para a companhia deles e não a de um rival?
Sem caminhões com ganchos e escadas ou cavalos carregando bombas, os japoneses tinham companhias de bombeiros em Edo que lançavam água quando podiam, terra, se não houvesse água, e, principalmente, derrubavam o prédio em chamas e qualquer outro ameaçado para interromper o incêndio.
Passagem: é ilegal perambular à vontade? Na Inglaterra Renascentista, os plebeus precisavam de passaportes para explicar porque estavam longe de sua paróquia natal. As fronteiras entre locais são vigiadas ou livres? Realmente importa se as pessoas vêm e vão desde que possam pagar impostos por todas as carroças e bestas de carga abarrotadas? Como isso é fiscalizado? Grande Muralha? Muralha de Adriano? Patrulhas? Espera-se até que as pessoas precisem comprar comida em outro lugar?
Comentários de um Leitor: Cgarret escreveu em: 17/01/2005, à 5:13h
O aspecto que mais me fez falta foi o da moral em geral e os costumes sexuais em particular. A atitude das pessoas em relação ao sexo pode ter um efeito profundo em como a cultura de um povo se desenvolve. Afinal, a visão vitoriana de modéstia e obscenidade resultou em coisas tão estranhas quanto o uso de toalhas de mesa para cobrir os “membros” do mobiliário.
Assim, quais relacionamentos são permitidos, quais são levemente escandalosos, e quais são considerados tabus? O que acontece com as pessoas que ignoram as regras sociais? E mais, como é encarando o assassinato? A mentira? Que palavras e conceitos são obscenos? E como o ponto de vista das pessoas afeta seu idioma, quer gírias quer linguagem que fala básica?
Comentários de um Leitor: WritingLife escreveu em: 21/01/2005, às 19:30h
Patricia Wrede tem um ensaio beem longo sobre construção de mundos no site Science Fiction and Fantasy Writers of America – esta página tem os links para todas as seções. Muitas, muitas coisas para considerar!
Amanhã tem mais exercício! Quer compartilhar o seu? Use os comentários. 😉
Para saber mais:
- Dia 27: (Mais) Ganchos de Enredo – 30 Dias de Construção de Mundo: neste vigésimo sétimo exercício da série, vamos revisar e finalizar os ganchos de enredo preferidos de nosso romance.
Especial NaNoWriMo:
- 30 dias para escrever um livro – saiba mais sobre o evento no primeiro artigo da série sobre o evento.
- As críticas e o valor do desafio – saiba porque o evento é visto com desconfiança por escritores e demais profissionais do mercado editorial.
- Como escrevi um livro em 30 dias – onde detalho minha participação no evento em 2012.
- Diário de escrita – onde falo sobre valor de se manter um diário e compartilho o meu próprio.
- Guia de sobrevivência – dicas para aqueles que ousarem aceitar o desafio!
- National Novel Writing Month: página oficial do evento (em inglês).
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