Eu nunca tinha ouvido falar de J. Modesto (ou Joaquim Modesto de Oliveira Junior) até deparar, acidentalmente, com uma ocorrência deste livro na rede social de leitores Skoob. A bela arte da capa e as informações presentes ali despertaram meu interesse: tratava-se de um romance ambientado 300 anos antes do descobrimento do Brasil, envolvendo mitos indígenas e seres sobrenaturais.
Embora não fosse uma ideia completamente inovadora – Roberto de Souza Causo fez algo semelhante no excelente A Sombra dos Homens -, eu resolvi pagar para ver (literalmente). Infelizmente, o autor não correspondeu à expectativa, desperdiçando uma ideia que, tivesse sido trabalhada com mais cuidado, poderia ter produzido uma história infinitamente mais cativante.
O primeiro grande problema do livro se destaca logo no início: a escrita está repleta de erros crassos de concordância e ortografia. Nota-se, claramente, a falta de cuidado na revisão e finalização do livro, e o desconforto inicial será uma companhia constante do leitor que for obstinado o bastante para superar as muitas outras falhas da narrativa e chegar ao final desta.
O livro narra a história de como um feiticeiro mouro, um pajé e guerreiros de tribos indígenas se unem para combater um poderoso demônio que veio dar no litoral brasileiro após um naufrágio. Embora o prólogo seja interessante – o leitor é apresentado à figura histórica de José de Anchieta na recém-fundada Vila de São Paulo de Piratininga –, os capítulos seguintes não são bem desenvolvidos e, frequentemente, tornam a leitura monótona.
A história não é empolgante e parece resumir-se a uma sucessão de cenas de ação. Não parece haver muita preocupação com o perfil psicológico dos personagens, o que torna difícil afeiçoar-se a estes ou mesmo preocupar-se com seus destinos – ora, um dos personagens principais sequer tem nome! A ambientação sofre deste mesmo problema, já que os cenários são descritos de modo muito superficial.
Justiça seja feita, o autor parece ter feito um trabalho de pesquisa razoável (sobre os costumes indígenas principalmente), porém, demonstra isso nos momentos mais inapropriados, muitas vezes impondo um ritmo mais lento à leitura – como exemplo, há a conversa entre dois personagens sobre hábitos alimentares indígenas enquanto uma batalha ferrenha e decisiva se desenrola a alguns metros dali.
Os diálogos são outro problema: alguns são chavões tão batidos que beiram o ridículo, outros são tremendamente infantis – especialmente, aqueles proferidos pelos dois principais seres sobrenaturais, dos quais eu esperava um pouco mais de maturidade devido à própria natureza destes.
A história ainda apresenta situações que soam forçadas ou falsas demais, em especial pelo excesso de explicações em momentos bem inoportunos. Eis um exemplo perfeito disto: enquanto uma terrível batalha se desenrola diante de seus olhos, um personagem explica para outro determinados fatos (completamente irrelevantes) que já eram de conhecimento do leitor.
Como se não bastasse, um terceiro personagem insiste (três vezes) para que a explicação seja mais rápida, pois o tempo está contra eles – ora, se é assim, deixasse as explicações para depois, afinal, elas não contribuíam em nada para a batalha que viria.
A propósito, este é o segundo maior problema do livro: o autor parece não confiar no leitor. Em diversos pontos, o texto se torna repetitivo ou explicativo demais, por exemplo: o autor coloca o tal demônio pensando que “poder manipular as águas tem muitas vantagens” para justificar o fato deste ser capaz de andar sobre as águas; ora, a esta altura o leitor já sabe que o demônio pode dobrar o elemento à vontade, logo, não seria surpresa alguma aquele andar sobre a água.
Não me agradou também o modo como o autor aborda um mesmo acontecimento dos diferentes pontos de vista dos personagens e isto pela seguinte razão: aqui, tal estratégia nada agrega para o desenvolvimento ou enriquecimento da narrativa (ou mesmo da personalidade dos personagens).
Em especial, quase todos os trechos referentes ao ponto de vista do tal demônio são enfadonhos, repetitivos e desnecessários: é um tal de “macacos falantes” para cá, “não encontro ninguém a minha altura” para lá, “este lugar é ideal para meu novo reino”. Tudo parece estar lá apenas para deixar o livro com mais páginas. E, ao contrário do que li em outra resenha do livro, a narrativa segundo os pontos de vista de diferentes personagens nada tem de inovador.
Terminei este livro com muito esforço e o que me levou a fazê-lo não foi a história nem os personagens, mas sim a obstinação de nunca largar um livro pelo metade. Devo confessar, porém, que este quase quebrou minha determinação em diversos momentos. O final não traz nenhuma satisfação e nem mesmo a revelação do Pajé agrega qualquer valor à narrativa, mostrando-se forçada e sem propósito.
Eu não recomendaria este livro nem para aqueles que têm tempo livre de sobra. Quer ler uma boa história ambientada no Brasil, repleta de folclore, fantasia e personagens com alma? Leiam A Sombra dos Homens de Roberto de Souza Causo. Eu concedo apenas 2 penas-tinteiro (ou estrelas) para Anhangá – A Fúria do Demônio.
E esta é a humilde opinião de um escriba.
Para saber mais:
- J. Modesto Oficial WebSite: blog do autor com informações pessoais e de suas obras (inclusive onde comprá-las). Desatualizado desde Maio de 2010.
- Entrevista com Joaquim Modesto: uma entrevista com o autor feita em 2008 por Ademir Pascale, editor do Portal Cranik.
- Joaquim Modesto no Skoob: perfil do autor na rede social de leitores.
- Mito do Anhangá: interessante texto extraído da obra Geografia dos Mitos Brasileiros sobre o ser do mito índigena.
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