Saiba antes de ler: além de romances e livros sobre a arte da escrita, tenho o hábito de ler historietas avulsas por aí. Senti a vontade de comentar sobre esses textos breves, portanto, eu comentarei por aqui sobre contos, novelas e outras leituras mais enxutas. Note-se que este post não é uma resenha, mas um apanhado de considerações breves suscitadas após a leitura do texto.
Escrito pelo paraibano Bráulio Tavares, O Cientista Frank me marcou menos pela boa história e mais pela reflexão a que me levou: é válido usar uma imagem para complementar o sentido de um texto de ficção ou este deve se fazer entender por si só?
Velho, gordo, baixinho e recém-divorciado, Frank é um cientista cujas descobertas prometem uma grande revolução. Ultimamente, porém, seu único interesse é a mulher maravilhosa que conheceu num site de relacionamentos. Quando ela também demonstra interesse, o cientista não hesita em partir ao seu encontro.
Gosto do trabalho do Bráulio, porém, eu fiquei cismado depois da leitura deste conto. Junto ao texto há uma fotografia que, a princípio, pareceu-me deslocada, mas que no decorrer da narrativa passou a fazer sentido – e até me antecipou o desfecho. É aí que reside minha cisma.
Imaginei se eu teria compreendido a história sem a ajuda da tal fotografia – apesar de haver ali referências sutis que, numa leitura posterior mais cuidadosa, consegui identificar. Encafifado, copiei apenas o texto, enviei-o por e-mail a uma querida amiga e pedi sua opinião. Ela gostou e disse estar ansiosa para descobrir como tudo terminava e qual era o mistério carregado pelo Frank.
Uma imagem vale mais que mil palavras? (Arte: Juan Osborne)
Expliquei que não haveria continuação, que se tratava de um conto, e passei o link da fonte. Só depois de ver a fotografia (que não é essa aí em cima) no post original é que minha amiga entendeu a história. Enviei o texto para mais uma pessoa e o mesmo aconteceu.
DESAFIO
Decidi fazer o teste com os leitores do Escriba Encapuzado. Reproduzo o conto abaixo com a autorização do autor. O texto é exatamente o mesmo publicado no Mundo Fantasmo, blog pessoal onde Bráulio reproduz os textos publicados em sua coluna no Jornal da Paraíba.
Convido-o a ler o conto e tirar suas próprias conclusões; visite o site do escritor para conferir a fotografia à qual me refiro e depois deixe seus comentários ao final deste post. Tenho certeza de que o assunto pode render uma boa discussão. E então? Aceita o desafio?
O Cientista Frank por Bráulio Tavares
Frank se considerou o sujeito mais azarado do mundo quando sua esposa o largou. Felizmente (pensou ele) tenho meu laboratório de Topologia Quântico-Temporal. As descobertas que fiz nos últimos seis meses, e que estão sendo codificadas por meus assistentes, estão com resultados muito melhores do que os que eu previa, e o relatório está gerando uns três artigos que irão desencadear um novo “Ano Miraculoso” na ciência.
Serões e mais serões se sucediam, e ocorreu que num daqueles intervalos de descontração, que às vezes duravam duas ou três horas, Frank viu-se preenchendo cadastro num saite de relacionamentos. E considerou-se o sujeito mais sortudo do mundo quando, poucos dias depois de se pavonear nos chats, fóruns e assemelhados, descobriu que tinha uma alma gêmea. Uma modelo, muito conhecida e fotografada, mas sofrendo de solidão crônica, tédio e repulsa pelo meio dos paparazzi e do show-business. Queria jogar tudo pra cima, casar, ter uma casa bem tradicional e alegre, ter filhos… “Eu nasci de quina pra lua”, disse, numa frase-feita equivalente, o pobre Frank. “Com 68 anos, gordo, baixinho, vivendo de salário de universidade pública… e uma mulher dessa quer casar comigo”. A essa altura, Frank já conferira que a modelo existia mesmo, e uma rápida intimação ao Google lhe produziu fotos bastante animadoras.
Depois alguns meses de correspondência cada vez mais íntima, ele passou a insistir para que ela o visitasse em Oklahoma, e ela dizendo sempre que estava na ponta aérea entre Paris, Londres, Milão, Zurique e Istambul. Ele terminou de redigir o terceiro “paper” enquanto revisava o segundo e abria a revista que acabava de publicar o primeiro. Logo voltou a se achar o sujeito mais azarado do mundo, porque a prometida turnê dela pela Costa Oeste tinha sido cancelada. Teria sido o encontro dos dois face a face, certamente um jantar juntos, quem sabe mais o quê! Ela disse que ia fotografar uma campanha na Bolívia. Se ele quisesse…
O aeroporto da Bolívia parecia um posto de gasolina, mas quem disse isso foi o executivo da poltrona ao lado; para ele, que nunca saíra de seu Estado, aquilo era um mundo de pulp fiction ou de seriado de TV. O hotel era desconfortável, e na portaria ele recebeu um envelope. O bilhete explicava que a sessão fotográfica tinha sido cancelada. Que ela estava indo para Amsterdam. Mas que por acaso deixara para trás uma de suas malas. Será que ele podia ser um doce, e trazer a mala dela para Amsterdam, onde ele o esperava cheia do amor pra dar? Eu sou o sujeito mais sortudo do mundo, disse ele. Por uma mulher como essa eu faço qualquer coisa.
Para saber mais:
Li e Comento: minhas breves considerações sobre contos, novelas e outras narrativas curtas.
Excelente conto. Mostrar a foto no final foi interessante para o desfecho. A ideia é que [o conto] se faça entender por si só, mas gosto de ideias criativas e diferentes.
Quando terminei o conto e vi a foto minha reação foi um sorriso e pensei “boa sacada”; foi dessa forma que avaliei que a ideia foi boa.
Só depois dá foto [entendi a mensagem]. Talvez se tivesse visto antes teria sacado de cara, mas agora nunca saberei. 😀
Tiago Haubert
Comentado originalmente na página do Escriba Encapuzado no Facebook.
Eu também jamais chegaria a tal conclusão… A foto entregou tudo mas, sem ela, acho praticamente impossível o leitor chegar à conclusão sozinho.
Talvez fosse até melhor sem a foto e deixar o leitor chegar sozinho a uma conclusão (seja ela a que o autor desejava ou não).
Às vezes, uma vez que o conto é escrito, deixa de ter todo o significado que o autor desejava a princípio e passa a ser uma tela semipintada onde o leitor sente-se à vontade para criar e imaginar nas entrelinhas de acordo com seu momento de vida.
Caso o autor prefira que o leitor chegue a uma conclusão específica, entendo que precisa guiá-lo melhor.
Gostei muito de participar.
Abraços,
Cristhiane Basoli Tradutora e Intérprete
Comentado originalmente no grupo Alunos da Oficina de Escrita Criativa Online de Marcelo Spalding.
Então, Cristhiane, neste caso eu acredito que sem a foto a interpretação seria bem mais difícil – o próprio Bráulio Tavares admitiu que a intenção da foto era compensar o que ele considerou um texto truncado demais.
Não digo que é impossível entender o conto, pois há ali elementos velados que, em uma leitura bem cuidadosa, podem permitir ao leitor entender a mensagem do conto.
Talvez o Eclesio, que comentou mais abaixo, tenha capturado justamente tais elementos.
De qualquer forma, fico feliz que tenha topado participar do desafio.
Legal o conto, mas também só entendi após ver a imagem! 🙁
Lembrou-me da primeira vez que vi “2001, Uma Odisseia no Espaço” do Kubrick. Tive que pesquisar no Google depois para entender o filme; acho interessante esse estilo artístico enigmático.
Gostei! Sem a foto não teria chegado a essa conclusão. Interessante o uso tão explicito de uma imagem como complemento do texto.
Comentado originalmente no grupo Alunos da Oficina de Escrita Criativa Online de Marcelo Spalding.
Excelente conto. Mostrar a foto no final foi interessante para o desfecho. A ideia é que [o conto] se faça entender por si só, mas gosto de ideias criativas e diferentes.
Quando terminei o conto e vi a foto minha reação foi um sorriso e pensei “boa sacada”; foi dessa forma que avaliei que a ideia foi boa.
Só depois dá foto [entendi a mensagem]. Talvez se tivesse visto antes teria sacado de cara, mas agora nunca saberei. 😀
Tiago Haubert
Comentado originalmente na página do Escriba Encapuzado no Facebook.
Provavelmente teria sacado sim, xará, pois foi exatamente o que aconteceu comigo.
Concordo que experimentar (brincar) com o texto é interessante.
O que eu quero mesmo é ver como outras pessoas reagem ao conto antes e depois de verem a imagem que o acompanha. 😉
Abraços.
Fantástico. 😀
Eu consegui ver [a mensagem do conto].
Eclesio Santos
Comentado originalmente no grupo Alunos da Oficina de Escrita Criativa Online de Marcelo Spalding.
Parabéns, Eclesio, você brilhou. 🙂
Abraços.
Eu também jamais chegaria a tal conclusão… A foto entregou tudo mas, sem ela, acho praticamente impossível o leitor chegar à conclusão sozinho.
Talvez fosse até melhor sem a foto e deixar o leitor chegar sozinho a uma conclusão (seja ela a que o autor desejava ou não).
Às vezes, uma vez que o conto é escrito, deixa de ter todo o significado que o autor desejava a princípio e passa a ser uma tela semipintada onde o leitor sente-se à vontade para criar e imaginar nas entrelinhas de acordo com seu momento de vida.
Caso o autor prefira que o leitor chegue a uma conclusão específica, entendo que precisa guiá-lo melhor.
Gostei muito de participar.
Abraços,
Cristhiane Basoli
Tradutora e Intérprete
Comentado originalmente no grupo Alunos da Oficina de Escrita Criativa Online de Marcelo Spalding.
Então, Cristhiane, neste caso eu acredito que sem a foto a interpretação seria bem mais difícil – o próprio Bráulio Tavares admitiu que a intenção da foto era compensar o que ele considerou um texto truncado demais.
Não digo que é impossível entender o conto, pois há ali elementos velados que, em uma leitura bem cuidadosa, podem permitir ao leitor entender a mensagem do conto.
Talvez o Eclesio, que comentou mais abaixo, tenha capturado justamente tais elementos.
De qualquer forma, fico feliz que tenha topado participar do desafio.
Abraços.
Legal o conto, mas também só entendi após ver a imagem! 🙁
Lembrou-me da primeira vez que vi “2001, Uma Odisseia no Espaço” do Kubrick. Tive que pesquisar no Google depois para entender o filme; acho interessante esse estilo artístico enigmático.
Curti!
O final do filme do Kubrick parece mesmo sem pé nem cabeça pra quem o vê pela primeira vez.
Outro exemplo de final enigmático (até demais) que me ocorreu agora é o do anime Evangelion; piração total.
Abraços.