Se estivessem vivos hoje, o que pensariam os grandes escritores do passado sobre os inúmeros estudos de seus trabalhos?
Guimarães Rosa questionaria as intrincadas interpretações acadêmicas ou se ocultaria por trás de um sorriso enigmático? Machado de Assis concordaria com essas visões alheias ou arquearia uma sobrancelha furtiva?
E quanto a Franz Kafka, James Joyce, Fiodor Dostoiévski e outros autores renomados? Iriam todos silenciar? Temeriam, talvez, revelar a verdade plausível (e inconveniente?) de que os aspectos tão idolatrados de suas obras surgiram de modo totalmente inconsciente? Que nem mesmo eles atentaram para aquilo até um leitor fortuito os indicar?
Ninguém pode saber ao certo, não é mesmo? Mas se tivesse que arriscar um palpite, eu diria que não, nenhum deles contradiria tais interpretações, por mais descabidas que fossem. Mas suas razões, provavelmente, seriam bem diferentes das minhas.
“Tudo faz parte do plano”.
Aconteceu há pouco tempo: ofereci para leitura um conto (inédito); aguardei pela avaliação. Eu estava preparado para quaisquer críticas ao texto, exceto para a visão que meu leitor crítico teve da história: esta não tinha nada a ver com o que eu pensara ao escrevê-la. Minha reação? Lábios cerrados num sorriso tortuoso, um menear de cabeça que dizia “sim, é exatamente isso”. Só que não era!
Na hora não fui capaz de admitir que aquela interpretação sequer passara pela minha mente, que não fora friamente calculada, que era um mero acidente de percurso. Confesso que ainda hoje eu não sei como me sentir – envergonhado? Decepcionado? Uma fraude? – quanto a isso, principalmente em vista da superioridade daquela análise ante a proposta que me levara a escrever o conto em primeiro lugar.
Eu sou uma fraude?!
Meu texto não comunicou ao leitor exatamente o que eu havia planejado, ele passou uma mensagem muito melhor que sequer havia me ocorrido. “Ora, mas isso é bom”, o leitor talvez pense. Será mesmo? Qual é o mérito desse resultado, já que não foi a minha intenção, mas a interpretação do leitor que me revelou uma reflexão superior? Percebe?
Pode isso significar que não me comuniquei bem com as palavras, que não me fiz entender? Talvez eu esteja exagerando, sendo dramático. Afinal, até que ponto isso deve ser considerado uma falha, já que a leitura provocou uma visão que satisfez o leitor? Não dizem que o ideal é deixar lacunas a ser preenchidas por cada leitor com suas próprias experiências e impressões?
O que você acha sobre isso, colega leitor e escritor? Algo assim já aconteceu com você?
Para saber mais:
- Não perca a motivação – 10 dicas para escritores: minha tábua de mandamentos pessoais para os momentos de crise existencial.
- 5 dicas para escrever contos: confira 5 conselhos do renomado escritor de fantasia norte-americano Philip Athans.
- Série 7 coisas que aprendi: página principal do projeto que convida escritores em diversas fases da carreira a compartilharem suas experiências.
- Escritores renomados sobre simbolismo em suas obras: artigo publicado no site Literatortura. Recomendo a leitura.
Bom dia! Caro companheiro das linhas e letras, isso já aconteceu comigo, inclusive foi o grande impulso que precisava para começar a escrever de fato.
Fiz uma redação super simples e básica que a professora havia pedido, valendo nota. No fim das contas, ganhei em 3ª lugar de um concurso da minha cidade, com a mesma redação, que todos intitularam como sendo “um conto”.
Simplesmente, não fazia a ideia da dimensão que havia alcançado dentro da cabeça dos leitores.
Depois de concluído, o texto não é mais nosso, meu caro, mas do mundo! E a cabeça de cada leitor é um mundo próprio.
Abraço.
Prezado T.K.,
Sou da opinião de que um texto, um bom texto, tem vida própria. Considero uma obra literária como um par de óculos cujo grau se adapta de acordo com a necessidade do cliente. Cada leitor traz na bagagem sua própria vivência, (pre)conceitos, medos e anseios.
Assim, o texto vai sendo lapidado conforme a necessidade de quem o lê. O fato de um texto apresentar, como um prisma, uma miríade de interpretações – algumas delas, quem sabe, mais profundas do que a imaginada pelo autor -, não faz do escritor uma fraude.
Toda arte é passível de interpretação, que se mostra, às vezes, tacanha, outras tantas, primorosa.
Abraço!
Concordo contigo, Ricardo. Ainda assim, não entendo porque me senti desconfortável com a criativa interpretação que o leitor fez de meu conto. Cisma de virginiano, talvez? 😉
Abraço.
Isso me lembra do que Tolkien falava quando as pessoas (hippies) começaram a interpretar O Senhor dos Anéis como um culto religioso à natureza, fadas, etc. e etc.
Como era cristão, ele claramente dizia que seus livros não tinham base alguma para esse tipo de coisa e diz-se que uma das motivações para publicar O Silmarillion foi evidenciar a criação da Terra-Média numa gênese monoteísta semelhante ao Criacionismo (o que não impediu os hippies mesmo assim. :D).
A influência da religião cristã em O Silmarillion é gritante, mas eu desconhecia essas outras interpretações. Culto à natureza é dose, hein?
Abraço.
O assunto gerou até uma lista no Cracked. Depois eu posso achar e colocar o link aqui.
Seria esta aqui? 😛
http://www.cracked.com/article_20530_6-famous-authors-who-were-nothing-like-you-expect.html
Abraço.
Yes sir. Esse artigo mesmo. 😀
Prezado Escriba,
Gostei muito de pensar sobre o que você escreveu. Já li, algumas vezes, que o texto depois que sai do ventre do escritor já não é mais seu. Como os filhos e as setas do Gibran.
O livro será sempre uma obra aberta ao contexto de cada alma, sua biografia e sua gramática espiritual.
Pois é, Gilson, mas ainda não sei ao certo como me sentir quando a interpretação de um leitor soa mais sublime, digamos, do que aquela que eu mesmo havia feito ao escrever a história.
Abraço.