Categoria: Crônicas (Página 3 de 3)

Inspiração Efêmera – Crônica

Acomodo-me na cadeira. Diante de mim, a tela em branco aguarda. Enfim um pouco de paz e tranquilidade, sem distrações nem preocupações. Desfruto por instantes do silêncio e do sopro fresco que carrega o aroma da manhã pela janela. Tudo perfeito. Convicto, pouso os dedos no teclado, pronto para libertar as palavras aprisionadas há tanto.

Nada. Dedos tamborilam, lábios se contorcem num sorriso escarninho. Inspiro, lanço o olhar ao teto. Espiro, espicho os braços preguiçosamente.

Paciência, meu caro, calma; as palavras estão ali. Estão tímidas, mas ansiosas a serem encorajadas a mostrar-se ao mundo. Precisam apenas de um pouco de atenção e gentileza.

No painel flamejante à parede, eu flagro a fotografia de uma viagem ao Nordeste. Repentina, a memória abre portais que me conduzem a praias imaginárias. Fecho os olhos; a melodia do quebrar das ondas ecoa e contemplo praias de inspiração. Dirijo-me a mais bela, caminhando por um tapete branco cintilante, atraído pela serenidade de águas cristalinas.

Não longe, eu as vejo: maravilhas recolhidas em sua timidez sob o mar. Com os pés, sinto um frio desagradável. Dane-se. Tesouros reluzentes, cuja existência me era tão certa, estão ali, ao meu alcance; só é preciso ir ao fundo para apanhá-los com cuidado. Arrisco-me a entrar e logo estou coberto por inteiro, mergulhando em busca das preciosidades.

Mas há algo errado: as águas escurecem, o brilho empalidece. As maravilhas se afastam mais e mais a cada aproximação, não importa o quão delicado seja meu nado. Então me vejo só em meio ao negrume de águas gélidas. Disposto a persistir, mergulho ainda mais, sinto a pressão sobre os ombros e a angústia que trai a necessidade por ar.

É inútil. As profundezas reservam apenas a inércia do vazio. De um salto, eu emirjo do mar da (in)consciência de volta para meu quarto. Ou ao menos se parece com ele. É estranho como nunca notei o abafadiço deste cubículo. E que zombaria é esta que emana do azul celeste dos quatro cantos? Um maldito céu artificial.

A cor destas paredes transmite uma liberdade ilusória. Qualquer estado ou emoção que o verdadeiro firmamento possa despertar será apenas um espectro neste lugar. Erro pelo inferno azulado, lançando olhares fulminantes ao branco desprezível. Deixo que a irritação se torne indignação.

Onde estão as palavras que fervilhavam e imploravam por liberdade, por sentido à existência? Como é possível que elas fujam de mim agora? Que jogo cruel é este que me impõe? Julgam-me culpado por não tê-las saciado o desejo antes?

Elas bem sabem que minha vontade submete-se aos seus caprichos. Ainda assim, teimam em aceitar que não posso atendê-las a todo instante. Amo-as, mas amo também a outros. Busco-as sempre que o anfêmero vertiginoso permite. Ora, também o que esperam de mim quando não disponho de ferramentas? Que eu as alforrie a unha em qualquer superfície?

Estou aqui agora, mas onde estão? Foram abduzidas por entidades alienígenas? Qual nada! Elas se escondem como as mesquinhas vingativas que são! A indignação se torna ira enquanto contemplo o desfile do tempo. Qual o propósito? Pra quê submeter-me a tal angústia?

Questiono se vale a pena. Não há esperança, então, por que prosseguir? Por que desperdiçar um momento raro e precioso com quem retribui com ingratidão desmedida? A resposta vem e afasta a ira. Impossível compreender relacionamento tão conturbado tanto quanto é explicar o amor. Não há lugar para a razão.

Sento-me. Inspiro, lanço o olhar ao teto. Espiro, espicho os braços decididamente. Desisto de caçar tesouros no fundo do mar, de percorrer sem destino os devaneios da mente. É possível que eu jamais reencontre as palavras que me atormentaram até aqui – talvez sim –, mas não importa. Amo-as e a todas as outras, incondicionalmente.

Por isso, aqui estou, a demonstrar meu afeto. Escrevo ingênua e despretensiosamente, como num desabafo com pitadas de declaração. Escrevo sem racionalização, sem planejamento, sem propósito.

Escrevo com o coração.

Crônicas? Hmm…

palacioDasArtesBH“Sabe do que mais sinto falta no seu blog? Crônicas”. De fato, eu nunca tinha considerado a possibilidade de escrever algo do gênero até escutar esta crítica maravilhosa.

Tomado de uma súbita inspiração, estudei suas características, li alguns textos de cronistas brasileiros conceituados e, enfim, sentei-me para escrever. Surpreendi-me com a facilidade com que concluí o texto em apenas dois dias (revisei-o apenas 4 vezes)!

Se este pode ou não ser classificado como uma crônica, deixo para os leitores decidirem.

E o que tem de complicado?

Noite. Caminhando na calçada à frente do parque municipal, penso como são complicados os relacionamentos. A peça de teatro que acabo de ver, pouco inspirada (e ainda menos original), leva-me a uma breve reflexão: como pode a infidelidade ser tema de uma comédia? A traição é um ato de total desrespeito ao companheiro, no mínimo, e não deveria ser banalizada.

Cogitando iniciar um papo cabeça a respeito disto, olho para o lado, mas o semblante sério e o olhar distante desencorajam-me. Descarto o tópico sem demora e tento quebrar o gelo: pipoca? “Não tenho fome”. É, está mesmo um pouco salgada. Um refrigerante, quem sabe? Também não.

Um vento sopra suave pela avenida. Que frio, eu comento, mas ela discorda. “A noite está fresca”. Está mesmo, bem agradável; não é nada espetacular, mas está bonita também. Uma lua em arco, estrelas aqui e acolá por entre nuvens algodoadas. Uma boa noite para estar na melhor das companhias. E, no entanto, sinto frio.

Dois ônibus passam pelo ponto. Estivesse sozinho, qualquer um deles me serviria, mas, muito provavelmente, não teriam chegado tão rápido. Tanto melhor. Não tenho pressa, tampouco me importa o tempo. Minha mente é um turbilhão: busco palavras adequadas, formulo frases com cuidado, mas nada parece adequado o bastante.

Enfim embarcamos, sentamos lado a lado. Apenas falas vazias. De relance, noto a expressão curiosa do cobrador, mas relevo; minha atenção tem exclusividade agora. Desisto de tentar encontrar sentido em minha cabeça. Solto a língua, soprando amenidades. Surge um interesse genuíno, mas o ar contemplativo nunca deixa as feições dela.

De repente, o cobrador salta e corre para o fundo do ônibus, surpreendendo a todos. Então entendo o que chamava sua atenção: um senhor embriagado jogava-se, literalmente, sobre uma moça. Algo estala em minha mente e percebo que conheço o “tarado” de outras viagens – em todas elas, ele sempre fora todo álcool e liberdades com o sexo oposto.

É uma figura recorrente; pobre e inconveniente diabo, tolerado por alguns motoristas para o desespero das damas e o divertimento alheio. Não entendo como os outros não percebem que suas risadas só encorajaram ainda mais o papel patético. O cobrador, porém, não vê graça ali e parece mais interessado em entregar o coitado à polícia.

Convenientemente, há uma blitz da Guarda Municipal no caminho, o que explica o incomum engarrafamento para o horário. Mas nada disso importa. Que o trânsito agarre, o coitado seja entregue a polícia e que resista à prisão, o ônibus quebre, que qualquer coisa faça o tempo se arrastar. Só quero desfrutar da companhia.

A viagem prossegue. O senhor tarado atrai olhares, comentários e chacotas até sua descida. “Eu ajudo o senhor, mas não encoste em mim”, diz uma passageira em certo momento. Mais risadas. Pobre bufão. Meio alheio aos eventos, eu me concentro nas palavras trocadas; talvez a noite ainda possa ser salva.

Chegamos e caminhamos, agora de mãos dadas. Sinto um peso sendo retirado do espírito. Eu caminho de coração aberto, sentimentos à flor da pele. Numa praça nos sentamos, e ali deixo que minha alma fale por mim.

Conversamos por um tempo imensurável, pois não me importa mensurá-lo. Trocamos dúvidas e angústias, possibilidades, revelamo-nos um para o outro, sem grilhões, destemidos. Relacionamentos são complicados. Mas não há complexidade que supere o amor genuíno. Acredito nisto, sempre acreditei, e as sensações provocadas por sua simples presença apenas confirmam esta certeza.

Um abraço, olhos mareados, e, súbito, não sinto mais frio. Olho para o céu e vejo; vejo a lua em arco, estrelas aqui e acolá, nuvens algodoadas. Uma boa noite, a melhor das companhias. Há ainda muito a resolver, mas não penso nisto agora. Neste breve momento, num abraço que diz mais que qualquer palavra, há apenas nós dois… e o amor. E amor, meu caro, é tudo o que é preciso.

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