Acomodo-me na cadeira. Diante de mim, a tela em branco aguarda. Enfim um pouco de paz e tranquilidade, sem distrações nem preocupações. Desfruto por instantes do silêncio e do sopro fresco que carrega o aroma da manhã pela janela. Tudo perfeito. Convicto, pouso os dedos no teclado, pronto para libertar as palavras aprisionadas há tanto.
Nada. Dedos tamborilam, lábios se contorcem num sorriso escarninho. Inspiro, lanço o olhar ao teto. Espiro, espicho os braços preguiçosamente.
Paciência, meu caro, calma; as palavras estão ali. Estão tímidas, mas ansiosas a serem encorajadas a mostrar-se ao mundo. Precisam apenas de um pouco de atenção e gentileza.
No painel flamejante à parede, eu flagro a fotografia de uma viagem ao Nordeste. Repentina, a memória abre portais que me conduzem a praias imaginárias. Fecho os olhos; a melodia do quebrar das ondas ecoa e contemplo praias de inspiração. Dirijo-me a mais bela, caminhando por um tapete branco cintilante, atraído pela serenidade de águas cristalinas.
Não longe, eu as vejo: maravilhas recolhidas em sua timidez sob o mar. Com os pés, sinto um frio desagradável. Dane-se. Tesouros reluzentes, cuja existência me era tão certa, estão ali, ao meu alcance; só é preciso ir ao fundo para apanhá-los com cuidado. Arrisco-me a entrar e logo estou coberto por inteiro, mergulhando em busca das preciosidades.
Mas há algo errado: as águas escurecem, o brilho empalidece. As maravilhas se afastam mais e mais a cada aproximação, não importa o quão delicado seja meu nado. Então me vejo só em meio ao negrume de águas gélidas. Disposto a persistir, mergulho ainda mais, sinto a pressão sobre os ombros e a angústia que trai a necessidade por ar.
É inútil. As profundezas reservam apenas a inércia do vazio. De um salto, eu emirjo do mar da (in)consciência de volta para meu quarto. Ou ao menos se parece com ele. É estranho como nunca notei o abafadiço deste cubículo. E que zombaria é esta que emana do azul celeste dos quatro cantos? Um maldito céu artificial.
A cor destas paredes transmite uma liberdade ilusória. Qualquer estado ou emoção que o verdadeiro firmamento possa despertar será apenas um espectro neste lugar. Erro pelo inferno azulado, lançando olhares fulminantes ao branco desprezível. Deixo que a irritação se torne indignação.
Onde estão as palavras que fervilhavam e imploravam por liberdade, por sentido à existência? Como é possível que elas fujam de mim agora? Que jogo cruel é este que me impõe? Julgam-me culpado por não tê-las saciado o desejo antes?
Elas bem sabem que minha vontade submete-se aos seus caprichos. Ainda assim, teimam em aceitar que não posso atendê-las a todo instante. Amo-as, mas amo também a outros. Busco-as sempre que o anfêmero vertiginoso permite. Ora, também o que esperam de mim quando não disponho de ferramentas? Que eu as alforrie a unha em qualquer superfície?
Estou aqui agora, mas onde estão? Foram abduzidas por entidades alienígenas? Qual nada! Elas se escondem como as mesquinhas vingativas que são! A indignação se torna ira enquanto contemplo o desfile do tempo. Qual o propósito? Pra quê submeter-me a tal angústia?
Questiono se vale a pena. Não há esperança, então, por que prosseguir? Por que desperdiçar um momento raro e precioso com quem retribui com ingratidão desmedida? A resposta vem e afasta a ira. Impossível compreender relacionamento tão conturbado tanto quanto é explicar o amor. Não há lugar para a razão.
Sento-me. Inspiro, lanço o olhar ao teto. Espiro, espicho os braços decididamente. Desisto de caçar tesouros no fundo do mar, de percorrer sem destino os devaneios da mente. É possível que eu jamais reencontre as palavras que me atormentaram até aqui – talvez sim –, mas não importa. Amo-as e a todas as outras, incondicionalmente.
Por isso, aqui estou, a demonstrar meu afeto. Escrevo ingênua e despretensiosamente, como num desabafo com pitadas de declaração. Escrevo sem racionalização, sem planejamento, sem propósito.
Escrevo com o coração.