O Café com Notícias é um portal em formato de revista eletrônica idealizado e lançado em 2007 pelo jornalista mineiro Wander Veroni. Nele são publicados textos que tratam de temas diversos: comunicação, tecnologia, entretenimento, opinião crítica e muito mais.
Contando com mais de 1 milhão 2 milhões de acessos, o Café com Notícias já foi semi-finalista do Prêmio Ibest 2008; Prêmio PQN de Ouro 2009 – Categoria Melhor Blog de Comunicação; Prêmio Top Blog 2011 – Categoria Comunicação, e outros.
O portal é dividido em várias colunas, entre elas o Café Literário, que a partir de maio deste ano foi passado aos cuidados de um certo Escriba Encapuzado. Meus textos são publicados por lá às quintas-feiras, estão listados aqui no blog e podem ser acessados pela seção “Algo mais”.
Como o próprio nome entrega, a série “Lista 5” traz textos que enumeraram cinco recomendações minhas, não apenas de livros, mas também de filmes, jogos e o que mais me der na telha. As listas serão construídas, principalmente, segundo critérios pessoais, logo não são absolutas.
Sou um grande fã de filmes. Normalmente não me importo muito com o gênero, os atores, ou a nacionalidade: se houver a promessa de uma boa história, arrisco-me a assistir – é uma pena que nem sempre a realidade corresponda à expectativa.
Percebi que tenho assistido muitos filmes sobre personagens escritores ultimamente. Talvez seja um reflexo de meus atuais interesses; talvez, inconscientemente, eu esteja tentando tirar lições deles – vai saber o que se passa em minha mente inquieta.
Os cinco filmes abaixo são alguns que assisti recentemente e que recomendo tanto aos fãs de filmes quanto àqueles que buscam mais inspiração para suas vidas de escritores.
1
As Palavras (The Words, 2012): Rory Jansen (Bradley Cooper) é um escritor iniciante que luta para ser publicado. Um dia ele encontra um maço de folhas amareladas num antiquário. Fascinado pela história que elas contam, ele a transcreve e apresenta como sendo um de seus romances. O livro é um sucesso instantâneo e abre portas para o escritor. Mas tudo pode mudar quando um senhor (Jeremy Irons) procura Rory para lhe falar sobre a origem daquela história.
Contando ainda com Zoë Saldana, Dennis Quaid, Olivia Wilde e J.K Simmons no elenco, o filme se propõe a contar histórias dentro de histórias, o que é interessante e nos leva a questionar o que nelas é verdade e o que é somente ficção.
Os atores estão ótimos – até Bradley Cooper me convenceu desta vez. Minha única ressalva é quanto à personagem de Wilde, talvez por eu esperar que ela fosse mais do que aparenta.
2
Armadilha Mortal (Deathtrap, 1982): Sidney Bruhl (Michael Caine) é um escritor de peças da Broadway que está enfrentando uma crise; seus últimos trabalhos foram fracassos de crítica e bilheteria. Quando topa com um manuscrito único que pode restaurar seu prestígio e salvá-lo da ruína, Bruhl não hesita em tramar a morte de seu autor, o inexperiente Clifford Anderson (Christopher Reeve).
O filme é uma adaptação da peça homônima produzida por Ira Levin em 1978. Trata-se de uma comédia divertidíssima, com toques de humor negro e muitas reviravoltas.
Cane e Reeve estão simplesmente impecáveis. Por outro lado, os excessos das atrizes Dyan Cannon e Irena Worth irritam – elas interpretam, respectivamente, a mulher de Bruhl e uma vidente.
3
Ruby Sparks: A Namorada Perfeita (Ruby Sparks, 2012): Calvin (Paul Dano) é um romancista jovem, bem sucedido e solitário que está sofrendo de bloqueio criativo. Insatisfeito com sua vida, ele busca o auxílio de um psicólogo que recomenda um modo inusitado de lidar com seus problemas: escrever sobre uma mulher que se apaixonaria por ele. Calvin o faz com tamanha dedicação que essa personagem fictícia acaba ganhando vida.
Comédia romântica bonitinha que se destaca por bons momentos dramáticos e que instigam à reflexão. O ponto alto do enredo é, sem dúvida, o momento em que Ruby é confrontada com a verdade sobre sua origem.
Os atores estão bons – demorei a reconhecer Antônio Bandeiras como o padrasto hippie de Calvin. O filme perde um pouco o ritmo no segundo ato, mas ainda assim é uma boa pedida.
4
Escritores da Liberdade (Freedom Writers, 2007): Gruwell (Hilary Swank) é uma professora recém-formada que se oferece para lecionar numa comunidade carente assolada por conflitos étnicos. Utilizando métodos pouco convencionais, ela tenta ensinar valores como tolerância e respeito a um grupo de jovens rebeldes.
Parece familiar? A premissa do filme é semelhante à de outros como Meu Mestre, Minha Vida (Lean on me, 1989) e Mentes Perigosas (Dangerous Minds, 1995) e, como estes, é inspirada em fatos reais.
O inicio é lento e monótono, mas o ritmo melhora do meio para o final, quando é dado maior foco aos dramas dos alunos. São as histórias que eles escrevem em seus cadernos o grande diferencial deste filme, que demonstra o poder libertador e transformador da literatura.
Os relatos verídicos dos alunos foram reunidos no livro The Freedom Writers Diary, publicado em 1999.
5
Mistérios e Paixões (Naked Lunch, 1991): Bill Lee (Peter Weller) é um aspirante a escritor que vive na Nova York de 1953. Trabalhando como desinsetizador para sustentar a si e à esposa Joan (Judy Davis), Bill está prestes a ser demitido por esgotar seu estoque de inseticida com frequência. Descobrindo que a culpa é de sua esposa, que tem consumido a substância, ele se deixa convencer por ela a compartilhar do barato que o pó provoca.
Inspirado em Almoço Nú, romance autobiográfico do americano William S. Burroughs, este filme é esquisitíssimo. Minha impressão ao final é de que precisaria revê-lo outras vezes para compreendê-lo totalmente.
Destaque para uma cena logo no início onde os personagens discutem sobre reescrita: para eles, o ato é uma traição pessoal do escritor, já que a primeira versão de um trabalho traz a honestidade de sua voz e a reescrita representa a hipocrisia e o medo de soar verdadeiro.
Escrevi este artigo como complemento à resenha do livro O Caçador de Androides, do aclamado escritor americano Philip K. Dick. Acabei me deixando levar por sua interessante biografia e o texto ficou maior do que o esperado, então achei melhor criar outro post.Confiram maiores informações sobre a vida e os filmes inspirados nas obras deste fantástico autor de ficção científica.
Philip K. Dick foi um escritor prolífico, tendo escrito 36 romances e 5 coleções de contos entre 1952 e 1982, quando faleceu aos 56 anos. O misto de visões futuristas e de experiências pessoais é característico de suas obras. O romance O Homem Duplo, por exemplo, foi dedicado aos amigos que morreram ou, assim como próprio Dick, sofreram devido ao uso de drogas.
Descrente de qualquer forma de governo ou autoridade, o escritor teve uma vida atribulada e marcada por eventos que provocaram nele os mais diversos estados mentais: a morte da irmã gêmea, Jane, 14 dias após o nascimento; a separação dos pais ainda na infância; 5 casamentos fracassados; os tratamentos de vícios.
Os anos mais criativos do autor foram aqueles das décadas de 50 e 60, período no qual firmou-se no mundo da ficção científica e teve sua contribuição reconhecida – o primeiro romance foi Solar Lottery, de 54; em 62, foi premiado com o Hugo por O Homem do Castelo Alto. Há quem defenda, porém, que os melhores trabalhos dele foram publicados na década de 70, como O Caçador de Androides e Fluam, Minhas Lágrimas, Disse o Policial (prometido para o final de 2012, mas ainda não publicado pela Editora Aleph).
Os últimos anos da vida de Dick foram marcados por uma experiência religiosa que este teria tido em 1974, quando, segundo ele, recebeu uma visita de Deus ou do que seria, no mínimo, uma entidade divina. Ele escreveria sobre isso até sua morte, ora tratando o evento como uma espécie de revelação celestial, ora como um sinal claro de comportamento esquizofrênico.
Embora tenha tido obras premiadas e aclamadas pela comunidade de ficção científica, Dick jamais fez fortuna como escritor, recebendo pouco mais que o adiantamento financeiro cedido por seus editores – dos royalties ele mal tinha notícia. Talvez isso explique porque o autor era tão prolixo. Sua situação financeira era razoável em 1982, quando recebeu uma boa quantia pelos direitos da adaptação cinematográfica de O Caçador de Androides; infelizmente, ele faleceu antes da estreia do filme nos cinemas.
Philip K. Dick no Cinema
Sem dúvida Dick deve figurar no rol dos escritores com mais obras adaptadas ao cinema. A maioria dos fãs dos filmes sequer deve desconfiar, mas são inspirados em trabalhos do escritor, além de Blade Runner – O Caçador de Androides:
O Vingador do Futuro, 1990, de Paul Verhoeven, estrelando Arnold Schwarzenegger; e também o remake de 2012, com Colin Farrell; inspirado no conto Lembramos para você a preço de atacado.
Confissões de um Louco, 1992; inspirado no romance Confessions of Crap Artist.
Screamers: Assassinos Cibernéticos, 1995, com Peter Weller (o eterno Murphy de Robocop); inspirado no conto A segunda variedade.
O Impostor, 2002, inspirado no conto homônimo.
Minority Report – A Nova Lei, 2002, de Steven Spielberg, estrelando Tom Cruise; inspirado no conto O relatório minoritário.
O Pagamento, 2003, de John Woo, estrelando Ben Affleck; inspirado no conto homônimo.
O Homem Duplo, 2006, estrelando Keanu Reeves; inspirado no romance homônimo.
O Vidente, 2007, estrelando Nicolas Cage; inspirado no conto O Homem Dourado.
Radio Free Albemuth, 2010, estelando Alanis Morissette; inspirado no romance homônimo.
Os Agentes do Destino, 2011, estrelando Matt Damon; inspirado no conto A equipe de ajuste.
A maioria destes contos está disponível no recente lançamento da Editora Aleph, Realidades Adaptadas. A Aleph tem (re)publicado vários trabalhos de Dick nos últimos meses (confira o link abaixo).
Para saber mais:
O Caçador de Andróides: minha resenha sobre o livro de Dick que inspirou o filme Blade Runner.
Biografia: mais informações sobre Philip K. Dick. Recomendo consultar as demais seções deste site produzido por fãs das obras do escritor (em inglês).
A Experiência Religiosa de Philip K. Dick: história em quadrinhos publicada na revista Weirdo em 1986 sobre a experiência mística do autor em 74; traduzida para português pelo site Ovelha Elétrica.
Realidades Adaptadas: artigo da Revista Trip sobre o lançamento da Editora Aleph que reune sete contos de Dick que inspiraram adaptações cinematográficas.
O filósofo da ficção científica: interessante série em 3 partes publicada no site do The New York Times sobre o autor (em inglês).
Poetisa e escritora publicada, a simpática Sara Farinha mantém, desde 2007, um blog repleto de textos valiosíssimos para quem aspira publicar livros e ser reconhecido como autor. Os seus “Recursos de Escritor” reúnem, atualmente, 61 tópicos que tratam de conhecimentos diversos sobre a arte da escrita.
Sara ainda publica notas bem interessantes sobre seu processo criativo nos textos da série Short Story Writing Challenge – desafio pelo qual se propõe a escrever um conto por mês –, promove a literatura fantástica através do grupo Fantasy & Co., e disponibiliza gratuitamente alguns de seus trabalhos.
A autora de Percepção também já compartilhou 7 coisas que aprendeu em sua trajetória e é bem receptiva aos leitores, colegas e aprendizes de escritor.
Este é o primeiro artigo de uma nova série do blog. Como o próprio nome entrega, cada texto enumerará cinco recomendações, não apenas de livros, mas também de filmes, jogos e o que mais me der na telha. As listas serão construídas, principalmente, segundo critérios pessoais, logo não são absolutas.
No caso dos livros, é bem possível que a grande maioria sequer tenha sido lida – de fato, talvez até constem em minha sempre crescente lista de leituras futuras. Relaciono-os assim mesmo: se me pareceram interessantes quem sabe o leitor também assim não os considere?
E já que o blog trata da jornada de um aprendiz de escritor, nada melhor do que começar com uma lista de livros sobre escrita, não é?
1
Vencendo o Desafio de Escrever um Romance, de Ryoki Inoue: quem melhor para ensinar a escrever do que o escritor que consta no Livro Internacional dos Recordes como o mais prolífico do mundo, com mais de mil obras publicadas? Reaproveitando e expandindo o conteúdo visto em “O Caminho das Pedras” – onde compartilhou seu método de trabalho pela primeira vez –, Inoue apresenta um manual completo de como elaborar obras de ficção.
Defendendo que um romance não se sustenta apenas sobre uma boa ideia, o autor lista as ferramentas necessárias para obter o resultado proposto pelo título. Sempre com linguagem dinâmica, ele trata tópicos como tipos de leitor, projeto literário, sinopse, argumento, bloqueios criativos, negociação de direitos.
Ao longo do trabalho, Inoue menciona autores que tem como referência obrigatória e ilustra suas recomendações com exemplos práticos. Mas desde o início o autor adverte que, na escrita de um romance, “é fundamental o sacrifício, o esforço, o deixar de lado momentos de lazer, de diversão e de sono”. Tendo isso mente e munido dos conselhos de alguém que já produziu obras de suspense, faroeste, espionagem e diversos outros gêneros, o pretendente a escritor pode, enfim, ter esperança de produzir um livro de sucesso.
Este livro está parcialmente disponível no Google Livros (link abaixo).
2
Você já pensou em escrever um livro?, de Sonia Belloto: este livro é dirigido àqueles que lidam com a escrita no cotidiano e que desejam tornar-se escritores de sucesso. Com uma linguagem dinâmica, a autora discorre sobre estruturas para criar histórias originais, o processo de transmitir ideias, as técnicas de criação de personagens, construção de enredos, como romper bloqueios, descobrir e desenvolver o próprio estilo, e muito mais.
Obra indispensável para conhecer todos os segredos da profissão de escritor. Publicado no Brasil, no Brasil, na África, em Portugal e na Espanha, trata-se ainda de um roteiro para compreender as novas características do mercado editorial.
3
Técnicas para Escrever Ficção, de Júlio Rocha: resultado de estudos e das oficinas ministradas pelo autor, o livro tem como mote que qualquer pessoa pode se tornar um escritor, desde que disponha das ferramentas adequadas. Utilizando uma linguagem clara e direta, o autor aborda as formas de se iniciar um livro, a criação de personagens, a elaboração de diálogos, o jogo de emoções do leitor.
Exemplificando o que funciona ou não por intermédio de excertos de livros de escritores como Dan Brown e ele próprio, Rocha também compartilha dicas valiosas sobre publicação, divulgação e direitos autorais. Alguns críticos afirmam que Rocha é óbvio na maior parte de suas considerações, mas por se tratar de um livro mais prático, repleto de exemplos claros e facilmente identificáveis, este ainda é uma boa pedida.
4
A Jornada do Escritor, de Christopher Vogler: inicialmente elaborado como um guia interno da Disney para a elaboração de narrativas audiovisuais, o livro – conhecido ainda como o “manual de hollywood” para roteiros – é considerado uma compilação das ideias essenciais de O Herói de Mil Faces, onde o acadêmico americano Joseph Campbell identifica elementos comuns em diversos mitos e os define como etapas recorrentes da assim denominada “Jornada do Herói”. O trabalho de Vogler é simplista se comparado ao de Campbell, afirmam alguns críticos, mas seu valor está, justamente, na praticidade.
Em linguagem clara e acessível, ele demonstra como construir e amarrar um enredo seguindo etapas de construção de personagens e situações que resultam na composição de boas histórias. Sem apresentar técnicas, Vogler expõe os aspectos de cada etapa (são doze) e as exemplifica com livros e filmes americanos, como Titanic e Star Wars. O autor defende que os doze passos não são fórmulas, mas mecanismos que, quando manejados com criatividade e inovação, permitem a produção de boas histórias.
A “Jornada do Herói” – ensinada também no curso de estrutura literária do escritor brasileiro Eduardo Spohr (veja link abaixo) – é a base em que se sustentam sucessos literários e cinematográficos. Logo, a leitura deste livro é indispensável para escritores aspirantes e profissionais.
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A Arte da Ficção, de David Lodge: escritor e professor britânico aclamado, Lodge reuniu neste livro 50 de seus artigos sobre a arte de contar histórias, originalmente publicados nos jornais Washington Post e Independent on Sunday.
Iniciando cada capítulo com trechos extraídos de obras clássicas, o autor destrincha tópicos como ironia, divisão de capítulos, apresentação de personagens e explica termos como “metaficção”, “intertextualidade”, mantendo sempre uma clareza que comunica com o leitor comum.
Entre os escritores revistos por Lodge estão nomes como Jane Austen, James Joyce, George Orwell, Edgar Allan Poe. Mesmo tendo sido publicado em 1992, o livro ainda é leitura essencial para os interessados por literatura e, principalmente, para os escritores iniciantes.
E você, leitor, que livros recomenda para outros colegas escritores?
Fábrica de Textos: site oficial do curso de escrita criativa ministrado por Sonia Belloto.
Dicas para Escrever Ficção: consultadas por centenas de milhares de pessoas e reproduzidas em vários blogs, jornais, revistas e sites de cultura. Por Júlio Rocha, autor de Técnicas para Escrever Ficção.
A Jornada do Escritor: boa resenha do livro de Christopher Vogler publicada no site Heróis e Mitos, com direito a link para uma apostila do curso de estrutura literária ministrada pelo escritor Eduardo Spohr.
A Jornada do Herói: conheça as ideias e os dozes estágios da jornada propostos por Campbell e simplificados por Chirstopher Vogler em seu “A Jornada do Escritor”. Recomendo a leitura.
Estrutura Literária – A Jornada do Herói no Cinema e na Literatura: informações sobre o curso ministrado nas Faculdades Integradas Hélio Alonso de São Paulo pelo escritor Eduardo Spohr, autor de A Batalha do Apocalipse e Filhos do Éden.
Imagino que para um profissional da palavra não há frustração maior do que ter rejeitados os textos ao quais se dedicou com empenho e zelo. No ramo jornalístico isso é comum, infelizmente.
Não significa, porém, que estejam todos destinados a uma gaveta poeirenta ou à lata de lixo. É o que acredita a jornalista Lorena Otero, que já deu as caras por aqui na crônica O efeito nhé.
Sabendo que não adianta chorar pelo leite derramado, ela arregaça as mangas para compartilhar seu talento com o mundo em seu recém-lançado blog.
Saiba antes de ler: esta é a segunda parte do texto sobre o filme A Viagem. Para melhor apreciá-lo é essencial a leitura da primeira parte, que pode ser conferida aqui.
Meu desencanto com o filme foi motivado, principalmente, pela comparação entre as obras. Não me entendam mal, afinal, eu gostei do filme. Mas ele não correspondeu exatamente às minhas expectativas; queria ser surpreendido, ver algo que mal consigo definir; eu esperava mais. Quando deixei o cinema, ainda estava incerto sobre o que havia compreendido do filme. Pensei que talvez não tivesse sido capaz de assimilar algo secreto, significados ocultos, um apelo humano.
Talvez desejasse perceber conexões mais fortes entre as histórias do que um simples livro que é lido ou um filme que é visto séculos depois. Não acho que a influência desses pequenos legados tenha sido bem trabalhada pelos Wachowski, pois o elo parece sutil, tênue demais na maioria dos casos.
Por exemplo: o filme sobre a vida do editor Cavendish, assistido no futuro pelo clone Sonmi-451, tem impacto marcante em sua história; por outro lado, o manuscrito do romance sobre a vida da jornalista Luisa Rey não afeta em nada os eventos que envolvem Cavendish e suas atribulações no asilo. Da mesma forma, qual é o valor do diário de Adam Ewing para a curta vida do músico Robert Frobisher?
Sobre a história deste, houve ainda algo intrigante e com potencial ignorado pelos roteiristas: como explicar que o compositor Vyvyan Ayrs tenha sonhado com um lugar cuja descrição é bem semelhante ao da lanchonete onde trabalha, no futuro, o clone Sonmi-451?
Resta-me supor que tratam-se de falhas da adaptação. Talvez no livro tais ligações sejam mais palpáveis, pois no filme, a maioria parece limitada à mera presença. Somos tomados pela agradável sensação de reconhecimento – ó, ele está lendo o diário do advogado da primeira história –, mas não é possível extrair mais nada dessas relações.
Ei, aquele é o Tom Hanks reencarnado?
A questão da reencarnação também empalideceu. O troca-troca de atores nos papéis me levou a imaginar que todos os protagonistas e antagonistas recorriam nas diferentes linhas do tempo, o que não ocorre. Como no livro, só os portadores da marca de nascença em forma de cometa representam uma mesmo alma reencarnada.
Pode-se interpretar que o espectador acompanha a trajetória (ou a viagem. Sacaram? Hein, hein?) desse espírito através das eras – um ponto de vista que torna o filme simplista demais. Por outro lado, como demonstrado no infográfico abaixo, é interessante constatar que este ser se encaixa em diversos arquétipos nas diferentes épocas, o que pode representar uma espécie de evolução natural.
Clique na imagem para ver maiores detalhes (o carregamento pode demorar um pouco).
Assim, além deste espírito reencarnado, o que reincide no filme são situações e arquétipos. O vilão da história de Luisa Rey não é o vilão da história de Timothy Cavendish reencarnado, é apenas o mesmo ator representando a reincidência daquele arquétipo.
Embora ocasione tal confusão, a alternância de atores tem um lado positivo, pois gera uma sensação de familiaridade com os personagens, como se o espectador os conhecesse de outras vidas. Isso também o permite identificar-se com o protagonista-mor (a alma reencarnada) em suas experiências.
À luz dessas considerações, a recorrência do amor surge forçada e inverossímil em algumas histórias. Por que o doutor Isaac Sachs se apaixona magicamente por Luisa Rey como se seu sentimento fosse um legado de vidas passadas quando isso nunca fica claro? E como explicar o fato de que ela não parece corresponder a tal paixão?
Afinal, vale a pena assistir ou não?
O filme é uma experiência muito mais interessante quando se foca o portador da marca em forma de cometa. Isso é especialmente verdadeiro na história da jornalista Rey: ela reencontra o homem que amou, emociona-se com as cartas que escreveu, e escuta a música que compôs em sua encarnação anterior.
A Viagem é um filme ambicioso por ousar contar uma, ou melhor, seis histórias de modo tão pouco convencional. Neste quesito, não creio que os Wachowski tenham falhado. Contudo, ao tomar conhecimento da fonte e das diferenças entre esta e a adaptação, toda a produção parece se reduzir a um simples exercício de estilo.
Dois adendos: primeiro, a chance de ver Tom Hanks como um escritor psicótico e Hugo Weaving (o eterno agente Smith) travestido de enfermeira compensa qualquer deficiência do longa; segundo, imagino se os críticos não menosprezaram tanto o filme só para se utilizarem da piada pronta proporcionada pelo título aberrante da versão nacional.
Há muito mais a ser dito sobre Cloud Atlas (o livro). Para os curiosos recomendo uma conferida nos links abaixo.
Para saber mais:
Cloud Atlas Wiki: site colaborativo que objetiva ser a maior fonte de referência sobre o livro de Mitchell e o filme dos Wachowski (em inglês).
Análise de Cloud Atlas: o autor deste blog escreveu uma série de posts onde esmiuça diversos aspectos da obra e de cada uma de suas histórias (em inglês).
Diferenças entre as histórias do livro e do filme: artigo excelente traçando paralelos entre as histórias de ambas as obras (em inglês).
David Mitchell sobre A Viagem: o escritor de Cloud Atlas comenta sobre a adaptação cinematográfica de sua obra no The Wall Street Journal (em inglês).
Jogo da Adivinhação: no site da revista Veja há um jogo (bem bobinho) inspirado no filme; o objetivo é relacionar atores e personagens.