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Resenha: O Caçador de Andróides

PenaPenaPena

Saiba antes de ler: não sou crítico literário nem detentor da verdade absoluta. O texto abaixo relata as impressões que tive após a leitura deste livro e não traz quaisquer revelações quanto ao enredo.

Escrito pelo americano Philip K. Dick, O Caçador de Androides* é uma ficção científica indicada ao Prêmio Nebula de 1968, ano de sua publicação. Foi editado no Brasil somente em 1983, um ano após o lançamento de Blade Runner: O Caçador de Androides, adaptação cinematográfica dirigida por Ridley Scott e estrelada por Harrison Ford. A despeito do lapso temporal, a obra se mantém atual nas reflexões que propõe, mas pode não agradar aos fãs do filme.

O cenário é a Terra do futuro**, arruinada por uma guerra sobre a qual restam pouquíssimos registros. Suas consequências, porém, estão presentes no cotidiano: a radioatividade impregna o planeta; flora e fauna praticamente extintas dão lugar a réplicas artificiais. Os incapazes de se refugiar nas colônias marcianas estão fadados à sobrevivência num ambiente miserável, inóspito e repudiado.

Insuflada pela necessidade e pela monstruosa engenhosidade humana, a tecnologia evoluiu e atingiu o zênite com o advento dos androides orgânicos. Feitos à imagem e semelhança do ser humano, eles somente podem ser distinguidos por intermédio de testes especiais de empatia, faculdade que mal podem emular; isto representa uma ameaça, pois os androides, tidos como mão-de-obra escrava, acabam por revoltar-se contra sua condição.

Nesta distopia tétrica vive Rick Deckard, caçador de recompensas de meia-idade a serviço da polícia que é convocado para localizar e “aposentar” androides rebeldes fugitivos de Marte. Vivendo uma crise matrimonial e de consciência, Deckard busca conforto na aquisição de uma ovelha legítima, um artigo de luxo. Envolvido na caçada contra sua vontade está J.R. Isidore, um “especial” cuja vida é a própria representação da realidade sinistra desta sociedade pós-apocalíptica.

Ainda que livro e filme se fundamentem na mesma premissa, há diferenças consideráveis, a começar pela caracterização do ambiente. A película apresenta uma Terra superpopulosa, com arranha-céus decadentes, carros voadores, e letreiros luminosos bombardeando propagandas a todo instante. A combinação de sombra e luz traduz um clima decante e sujo, mas ao mesmo tempo fascinante e brilhante.

Cena do Filme. Superpopulação?

No romance, impera a sensação de desolação. O mundo é um lugar escuro, silencioso, vazio; a visão de Dick é soturna, desesperadora, e sobressai-se à de Scott. Este aspecto é nítido nas cenas protagonizadas pelo marginalizado Isidore, responsável por expor o horror e a penúria de sua subsistência ao leitor.

Duas particularidades instigantes do cenário que foram ignoradas no cinema se destacam: a existência de uma tecnorreligião – que, infelizmente, surge envolta numa aura de confusão, o que talvez justifique não ter sido abordada no filme – e a possibilidade de manipulação das emoções humanas via estímulos elétricos.

O autor expõe as particularidades de sua visão pessimista do futuro com maestria, mas peca ao conduzir a ação em torno da perseguição aos androides. Exceto por dois pontos específicos da trama, é difícil ao leitor preocupar-se com o destino do protagonista – apesar do texto frisar a capacidade superior dos androides, Deckard nunca parece estar verdadeiramente ameaçado por eles.

Fãs da obra de Scott ficarão incomodados também com a frágil descrição do combate final contra o androide Roy, que é descrito como o mais poderoso do grupo caçado: o confronto aqui é patético se comparado a da versão cinematográfica, repleta de energia e poesia.

Contudo, Dick consegue acertar em cheio no tom em alguns pontos, como quando Deckard é confrontado com uma possibilidade aterradora que o leva a questionar a si mesmo, num dos momentos mais bem trabalhados do enredo – este deve ter inspirado a eterna questão acerca da natureza do protagonista no filme, dúvida esta que logo é sanada no livro.

O desfecho deixa a desejar: lento e inesperado, representa um verdadeiro anticlímax, ainda que induza a muitas reflexões. Toda a história ocorre num único dia da vida do protagonista, o que é curioso. Infelizmente, isto reforça a sensação de que Deckard jamais esteve em perigo, tornando-o excessivamente habilidoso e capaz em seu trabalho – e também inverossímil.

O valor da obra de Dick está justamente na proposição de questões filosóficas e sua leitura proporciona um exercício de reflexão, em vista da complexidade dos temas. Quem buscar aqui a grandiosidade cinematográfica do filme de Scott irá se decepcionar. Não é, em absoluto, uma leitura fácil. Pelo contrário, O Caçador de Androides é aquele tipo de livro que requer releituras com um olhar atento, maduro, para lhe decifrar os mistérios. Concedo-lhe, assim, 3 penas-tinteiro (estrelas).

E esta é a humilde opinião de um escriba.

Notas:

* Tradução aberrante do título original, Do Androids Dream With Eletric Sheep

** Na edição original a história era ambientada no ano de 1992, mas esta data foi alterada em edições posteriores para 2021 pelas filhas do autor, detentoras de seu espólio. A intenção era evitar que o livro parecesse datado ou ultrapassado.

Para saber mais:

  1. Sobre o autor: onde escrevo um pouco sobre a curiosa figura de Philip K. Dick.
  2. Obras de Philip K. Dick reeditadas no Brasil: artigo no site do Estadão sobre a reedição de várias obras do escritor pela Editora Aleph.
  3. Obras no site da Editora Aleph: confira os cinco livros de Dick já reeditados pela editora, que promete publicar outros trabalhos do escritor.
  4. Análise do livro O Caçador de Andróides: interessante dissertação de mestrado por Gustavo Piacentini.
  5. Blade Runner – O Caçador de Androides – 30 Anos: artigo no site Omelete relembra o cult de Ridley Scott.
  6. Resenha Crítica do Filme: publicada por Renato Alves no portal cultural Cranik.
  7. Diferenças entre livro e filme: para quem está curioso sobre O Caçador de Androides literário e o cinematográfico.

Li e Comento: Bolas de feno ao vento (Miniconto)

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Saiba antes de ler: além de romances e livros sobre a arte da escrita, tenho o hábito de ler historietas avulsas por aí. Senti a vontade de comentar sobre esses textos breves, portanto, eu comentarei por aqui sobre contos, novelas e outras leituras mais enxutas. Note-se que este post não é uma resenha, mas um apanhado de considerações breves suscitadas após a leitura do texto.

Bolas de Feno ao Vento é outro miniconto de ficção científica do escritor Luiz Braz (alter ego de Nelson de Oliveira) que integra a coletânea Pequena coleção de grandes horrores, prevista para este março pela Terracota Editora.

Apresentando um tom mais sério, este não é tão divertido quanto Só Poeira (também comentado por aqui), mas é igualmente criativo. O autor trata dos pequenos acontecimentos, coincidências, incidentes e clichês do cotidiano da raça humana, atribuindo-lhes uma explicação que paira além da nossa realidade monótona e destrutiva.

A questão da extinção me pareceu um tanto desproporcional – talvez deslocada –, mas ainda assim gostei bastante do texto. Trata-se de uma leitura interessante e recomendada, embora esta suscite menos interpretações do que a história de Só Poeira.

Ambos os contos estão disponíveis aqui (site do jornal Cândido, publicado pela Biblioteca Pública do Paraná).

Para saber mais:
  1. Li e Comento: minhas breves considerações sobre contos, novelas e outras narrativas curtas.
  2. Li e Comento – Só poeira (Conto): outro miniconto de ficção científica de Luiz Braz, lido e comentado por mim aqui no blog.
  3. Cobra Norato: blog pessoal do escritor Luiz Braz.
  4. Lenda Urbana: blog do escritor Nelson de Oliveira que permanece desatualizado desde que este se tornou Luiz Braz.
  5. Terracota Editora: site oficial da editora.

Resenha: A Rainha da Primavera (e-Book)

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Saiba antes de ler: não sou crítico literário nem detentor da verdade absoluta. O texto abaixo relata as impressões que tive após a leitura deste livro e não traz quaisquer revelações quanto ao enredo.

A Rainha da Primavera é um romance infantojuvenil da jovem escritora paranaense Karen Soarele. Disponibilizado gratuitamente como e-book (.PDF ou .EPUB) e à venda por impressão sob demanda, a obra é uma concisa introdução ao universo fantástico apresentado em Línguas de Fogo, primeiro trabalho publicado da autora.

O livro tem como público-alvo, principalmente, leitores na faixa etária entre 10 e 15 anos – na qual, obviamente, eu não me incluo já há um tempo razoável. A convite de Soarele, porém, arrisquei-me na leitura do e-book (mil vivas ao Kindle!). Ao fim das 87 páginas, porém, frustrei-me ao ver tantos elementos promissores desperdiçados.

Numa ilha que só pode ser encontrada a cada dez anos vive Flora, que há muito anseia por uma vida de aventuras. Quando um guerreiro de olhos rubros e mãos ensanguentadas e um velho de rosto deformado a encontram, seu desejo está prestes a ser realizar. Vindos de um reino ameaçado pela guerra, os dois forasteiros revelam a Flora o segredo de sua origem e a convocam a uma jornada por um mundo além dos confortos de seu lar ancestral.

A premissa de A Rainha da Primavera pode não soar completamente original, mas desperta o interesse. Infelizmente, a obra é prejudicada pelo tamanho, curto demais para possibilitar o desenvolvimento equilibrado de personagens, história e ambiente.

Em mais páginas, protagonistas e antagonistas poderiam ter suas personalidades exploradas com maior profundidade, eventos poderiam ser contextualizados e locais poderiam ser mais detalhados.

Nota-se no texto certo desapego aos detalhes. Em diversos momentos o leitor trava contato com aspectos instigantes do cenário, como a ilha que só pode ser visitada a cada década e seus misteriosos habitantes de pele cinza-esverdeada, uma Guerra Sem Fim, dádivas divinas, entre outros. Nada disso, porém, recebe mais do que descrições breves ou mesmo meras citações.

Em contrapartida, não se alongar em explicações pode ser parte da estratégia de introduzir novos leitores ao mundo de Línguas de Fogo, atraindo-os para o livro principal, onde estariam todos os detalhes não explorados. É uma atitude válida, mas incompreensível em um trabalho cuja proposta é, justamente, expandir esse universo ao contar uma história de seu passado.

Trata-se, ainda, de um risco que pode resultar em efeito contrário se os “ganchos” não forem bem trabalhados; e, novamente, o tamanho do livro dificulta tal tarefa. Todavia, esta questão nem incomodaria tanto se não prejudicasse também o enredo.

A narrativa poderia ter sido mais enriquecida se certos aspectos tivessem sido esmiuçados, como os eventos em torno do passado da protagonista e da sintonia que a torna tão especial aos dois forasteiros.

Por nunca terem os propósitos por trás de suas ações abordadas, os antagonistas também acabam diminuídos a figuras pouco complexas. Não há tons de cinza, tudo é preto e branco; é mau porque é mau, faz guerra por amor à guerra. Contudo, o que poderia soar inverossímil e imaturo numa literatura adulta ou jovem-adulta é aceitável em um infantojuvenil.

Narrando a história em terceira pessoa, Soarele apresenta uma escrita fluída e direta, como convém a esse tipo de obra. Em alguns momentos, porém, a autora tende a se repetir, talvez no intuito de reforçar ao leitor uma imagem ou sensação.

Senti falta de equilíbrio no ritmo da história, que ora se arrasta, ora acelera demais, por vezes até entregando muitas informações numa só tacada – certas revelações teriam maior impacto se não fossem feitas nos primeiros capítulos, por exemplo. A conclusão também se dá de forma muita abrupta.

A Rainha da Primavera é, enfim, uma inocente narrativa mais adequada ao público infantojuvenil. Aqueles que já conhecem o trabalho da autora em Línguas de Fogo, primeiro volume da série intitulada Crônicas de Myriade, tirarão maior proveito desse romance interessante, mas de potencial excessivamente limitado por seu tamanho.

Assim, eu concedo 2 penas-tinteiro (ou estrelas).

E esta é a humilde opinião de um escriba.

Em tempo: está prevista para este ano a publicação do segundo volume das Crônicas, ainda sem título definido. Já A Rainha da Primavera está disponível no blog da autora (veja o link abaixo).

Para saber mais:
  1. Karen Soarele: blog oficial onde é possível adquirir todos os livros da autora, inclusive a versão gratuita do e-book A Rainha da Primavera.
  2. Crônicas de Myríade: belo site oficial sobre as obras de Soarele.
  3. Wiki Myríade: coletânea de informações sobre o universo das Crônicas. Há aviso contra spoilers para os que ainda não leram os livros.
  4. Soarele no Novos Escritores: perfil da autora nesta rede social que integra colegas escritores.
  5. Soarele no YouTube: canal com dicas para escritores e vídeos diversos.
  6. Soarele no Twitter: siga-a e veja o que ela tem a dizer.
  7. Soarele no Skoob: veja as resenhas das obras  já publicadas pela autora e torne-se um fã na rede social de leitores.
  8. Soarele no Facebook: perfil da autora.

Li e Comento: Só poeira (Miniconto)

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Saiba antes de ler: além de romances e livros sobre a arte da escrita, tenho o hábito de ler historietas avulsas por aí. Senti a vontade de comentar sobre esses textos breves, portanto, eu comentarei por aqui sobre contos, novelas e outras leituras mais enxutas. Note-se que este post não é uma resenha, mas um apanhado de considerações breves suscitadas após a leitura do texto.

Escrito por Luiz Braz (pseudônimo de Nelson de Oliveira), Só Poeira é um criativo e divertido miniconto de ficção científica que integra a coletânea Pequena coleção de grandes horrores, obra inédita a ser lançada em março deste ano pela Terracota Editora.

Num futuro próximo, quatro irmãos desenvolvem o primeiro androide. Orgulhosos de sua obra, feita à exata semelhança do ser humano, eles anunciam sua criação e revelam que esta possui um mecanismo de autodefesa projetado para protegê-la em toda a sua perfeição. Anos mais tarde, porém, isso pode se revelar uma má decisão.

Escrito numa linguagem fácil e permeado pelo humor, o texto apresenta um desfecho que se pode supor, mas mesmo assim surpreende. A citação aos profetas me pareceu uma crítica religiosa velada. A escolha do nome dos irmãos foi uma ótima sacada: Karamazov, como na obra do russo Fiódor Dostoievski. Considerando-se a interpretação de seu significado – ‘aquele que com seu comportamento desacertado provoca a própria punição’* –, a escolha foi bem apropriada.

O conto está disponível aqui (site do jornal Cândido, publicado pela Biblioteca Pública do Paraná).

 * Os irmãos Karamázov. Círculo do Livro. São Paulo, Brasil. Tradução de Natália Nunes e Oscar Mendes.

Para saber mais:
  1. Li e Comento: minhas breves considerações sobre contos, novelas e outras narrativas curtas.
  2. Cobra Norato: blog pessoal do escritor Luiz Braz.
  3. Lenda Urbana: blog do escritor Nelson de Oliveira que permanece desatualizado desde que este se tornou Luiz Braz.
  4. Terracota Editora: site oficial da editora.

Resenha: Fahrenheit 451

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Saiba antes de ler: não sou crítico literário nem detentor da verdade absoluta. O texto abaixo relata as impressões que tive após a leitura deste livro e não traz quaisquer revelações quanto ao enredo.

Fahrenheit 451 é aclamado mundialmente como um clássico da literatura de ficção científica. Obra prima do autor americano Ray Douglas Bradbury e publicado originalmente na década de 50, este premiado romance aborda temas desconcertantemente familiares e atualíssimos.

Nesta distopia futura, a sociedade foi subjugada por um governo totalitário onde autoridades invisíveis, mas sempre presentes, criminalizaram a leitura, promovendo uma verdadeira caça às bruxas. Atuando como força repressora, os bombeiros (firemen, no original) são incumbidos de localizar e, ironicamente, incendiar livros.

A mídia televisiva destaca-se ainda mais como o principal meio de alienação e dominação das massas, restringindo-se a apresentar em sua grade programas de entretenimento e simulacros de realidade interativos – a audiência ludibriada mal e mal tem conhecimento dos eventos que ocorrem além de suas salas repletas de telas imensas.

Completamente alheio, a princípio, à extinção gradual da manifestação do pensamento livre, promotor e difusor do conhecimento, vive Guy Montag, um bombeiro a serviço do sistema. Ao conhecer a adolescente Clarisse McClellan, Guy começa a questionar a sociedade em que vive e logo embarca numa cruzada pessoal contra a política estabelecida.

A trama é interessante, ainda que simples; o ritmo da leitura é lento. Há instantes de tensão e ação, mas as reflexões do protagonista dominam a narrativa. Particularmente, muitos destes trechos foram confusos o bastante para me forçar a relê-los duas ou três vezes na tentativa de compreender a mensagem que estava sendo passada.

Bradbury pontua alguns eventos paralelos à trajetória de Montag que reforçam os perigos da alienação e permitem antecipar o final trágico e inevitável – confesso, porém, que duvidei até o último instante que o autor concluiria a obra de forma tão emblemática. Contudo, o melhor momento do livro é aquele no qual o protagonista finalmente percebe ter seguido por um caminho sem volta e, literalmente, incinera o seu passado.

Esta não é uma leitura fácil, mas, por instigar o leitor a pensar sobre os perigos da supressão do conhecimento e de se resignar numa sociedade alienada e consumista, Fahrenheit 451é mais do que recomendado e recebe 3 penas-tinteiro (estrelas).

E esta é a humilde opinião de um escriba.

Em tempo: o título do livro alude à temperatura na qual o papel queima, o que equivale a 233º na escala Celsius. Fahrenheit 451 foi adaptado para o cinema por François Truffaut e lançado em 1966.

Mais sobre o autor:

Há tantas curiosidades sobre Ray Bradbury que é impossível deixar de compartilhá-las. Americano, Bradbury completou o ensino médio durante a Grande Depressão e, não podendo custear a faculdade, trabalhou como jornaleiro.

Cresceu enfurnado em bibliotecas e suas principais influências literárias foram Edgar Allan Poe (Os Assassinatos da Rua Morgue, O Corvo), H.G. Wells (A Guerra dos Mundos), Júlio Verne (Vinte Mil Léguas Submarinas) e Edgar Rice Burroughs (Tarzan, o filho das selvas).

O primeiro conto, Hollerbochen’s Dilemma, foi publicado no fanzine de ficção científica Imagination e suas obras mais celebradas, as Crônicas Marcianas e o próprio Fahrenheit 451 lhe garantiram lugar entre os principais autores do gênero.

Contudo, Bradbury afirmou certa vez não escrever ficção científica e sim fantasia – Fahrenheit 451 é a única exceção, segundo o próprio, mas mesmo este se baseou na realidade.

Tendo publicado algo em torno de 600 contos, 30 livros e inúmeros poemas, ensaios e roteiros para TV, não é surpresa que tenha recebido diversas homenagens e prêmios:

  • Foi premiado com o Hugo (tradicional premiação literária norte-americana) em 1954 na categoria melhor romance por Fahrenheit 451, tendo concorrido com ninguém menos que Arthur C. Clarke e Isaac Asimov;
  • Teve o nome atribuído a um asteroide (9766 Bradbury) e a uma categoria de premiação do Nebula Awards (outra tradicional premiação);
  • Uma de suas obras (Dandelion Wine; A Cidade Fantástica no Brasil) inspirou o nome de uma cratera lunar;
  • Ganhou sua própria estrela na Calçada da Fama em Hollywood.
  • No ano passado foi prestigiado pela cantora e comediante Rachel Bloom com o videoclipe intitulado “F— me, Ray Bradbury” (nem preciso traduzir, certo?), que recebeu, vejam só, uma indicação ao Hugo.
  • Suposto descendente direto de Mary Bradbury, julgada, condenada e sentenciada à forca por bruxaria em Salem, Bradbury viveu até os 91 anos – o escritor faleceu esta semana, dia 5 de junho de 2012.

Para saber mais:

  1. Ray Bradbury: site oficial do autor (em inglês).
  2. Ray Bradbury, The Art of Fiction No. 203: entrevista com o autor no Paris Review (em inglês).
  3. Open Library: Ray Bradbury: coletânea dos livros de Ray Bradbury (em inglês).
  4. Biografia: Ray Bradbury: traduzido do site oficial e publicado no InfoEscola.
  5. Top 100 Science-Fiction, Fantasy Books: Fahrenheit 451 foi considerado o 7º romance de ficção científica mais popular entre 100 outras obras (em inglês).
  6. Crítica – Fahrenheit 451 (1966): Rubens Ewald Filho avalia o filme de 1966 baseado na obra de Bradbury.
  7. Fahrenheit 451: Sobre uma distopia incandescente: considerações sobre a obra por Alfredo Suppia, na coluna de Roberto de Souza Causo no Terra Magazine.
  8. Fahrenheit 451: A temperatura de uma adaptação: Alfredo Suppia fala sobre a adptação para o cinema; publicado na coluna de Roberto de Souza Causo no Terra Magazine.

Resenha: O Código da Inteligência

Pena

Saiba antes de ler: não sou crítico literário nem detentor da verdade absoluta. O texto abaixo relata as impressões que tive após a leitura deste livro e não traz quaisquer revelações quanto ao enredo.

Augusto Jorge Cury é um escritor brasileiro de renome. Considerado o maior sucesso comercial de 2005 pelo jornal Folha de S. Paulo, o autor foi listado diversas vezes entre os campeões de vendas, tornando-se conhecido mesmo por quem nunca leu um de seus inúmeros livros.

Particularmente, eu nunca me interessei pelos textos de Cury por considerá-los literatura de autoajuda, a qual não me agrada. Contudo, tendo sido presenteado por uma amiga com O Código da Inteligência, optei por deixar o preconceito de lado e dar uma chance ao autor.

Ignorando as informações da capa, típicas de um livro de autoajuda, eu surpreendi-me ao ler no prefácio que o Cury é “psiquiatra, pesquisador de psicologia, autor de uma das teorias mais disseminadas sobre o funcionamento da mente”. Nutri, assim, a expectativa de que a obra apresentaria fundamentos científicos, o que a diferenciaria tremendamente de outras do tipo.

Afora introdução e conclusão, o livro divide-se em três partes: os cinco capítulos iniciais são dedicados à Inteligência ou Psicologia Multifocal, teoria desenvolvida por Cury ao longo de mais de vinte anos “sobre o funcionamento da mente, a construção de pensamentos e o processo de formação de pensadores”; a segunda parte aborda, separadamente, cada uma das 4 armadilhas da mente que impossibilitam decifrar os códigos da inteligência; finalmente, a terceira parte trata dos códigos em si.

A abordagem da Inteligência Multifocal é o que o livro tem de mais interessante. Os conceitos de Registro Automático da Memória (RAM), Síndrome do Pensamento Acelerado (SPA) e outros me pareceram plausíveis (cientificamente) e familiares; senti-me como se já tivesse tido contato com estes antes.

Todavia, as outras partes do livro minguaram meu interesse e intensificaram a sensação de ter em mãos apenas mais um livro de autoajuda. A forma como o texto apresenta tópicos como conformismo e medo do reconhecimento de erros, por exemplo, não se diferencia em nada do modo como estes são abordados em diversos outros autores daquele tipo de literatura. Tudo aqui é lugar-comum, simplório e genérico demais para um pretenso livro de ciência aplicada.

É evidente que Cury se propõe a utilizar uma escrita adequada ao público leigo – recorrendo, inclusive, a múltiplas analogias – para explicar e exemplificar suas teorias. Contudo, não há (ou não fui capaz de identificar) qualquer fundamento científico ali; não há citações, referências a trabalhos de terceiros.

O autor se limita a citar personalidades históricas como Freud ou Jung, muitas vezes utilizando-as como exemplos de suas teorias.

Por outro lado, frases de efeito encontram lugar ao longo do livro, e ainda que se apresentem como construções literárias belas e momentaneamente inspiradoras, estas se revelam demasiadamente vazias ou subjetivas – outro exemplo típico de literatura de autoajuda. Fosse este um livro de ciência aplicada como defende o autor, eu esperaria, no mínimo, técnicas ou exercícios mais práticos, mais objetivos.

Pode-se argumentar que o livro assim se apresenta por ser a psicologia uma ciência humana, não exata. Desconheço qualquer fundamento de psicologia, nada sei sobre suas metodologias ou aplicações no cotidiano, porém, eu sei que, como ciência, esta também requer o mínimo de fundamento em pesquisas científicas – dar-se-á, assim, algum crédito ao assunto proposto. Em outras palavras, deveria haver algum esforço do autor para demonstrar algum rigor científico no texto, sem limitar-se somente a apresentar uma bibliografia após a conclusão.

O modo como o autor se repete em diversos momentos também prejudica a leitura, assim como sua constante autopromoção; Cury parece sugerir que a leitura de seus outros livros é imprescindível para que se compreenda melhor o tema deste – corrijam-me se eu estiver enganado, mas creio que nem todos abordam os mesmos assuntos.

De início, no primeiro capítulo, Cury defende que seus livros “são erroneamente classificados como autoajuda” e que há “gritantes diferenças entre um livro de autoajuda e um livro de ciência aplicada”. Infelizmente, neste caso, isto não corresponde à realidade.

Com um texto e exercícios excessivamente subjetivos, repleto de frases de efeito vazias, e sem fundamentação científica aparente, O Código da Inteligência é, sim, uma obra de autoajuda. Assim, eu concedo somente 1 pena-tinteiro (ou estrela) para O Código da Inteligência.

E esta é a humilde opinão de um escriba.

– NOTAS –

  • Augusto Cury é uma figura inusitada e polêmica. Ainda que seja um sucesso indiscutível de vendas, seus livros e teorias são criticados por profissionais e estudiosos de psicologia por apresentarem pouco ou nenhum rigor científico.
  • O autor também é famoso por sua imodéstia (certa vez afirmou que sua teoria revolucionará a humanidade, sendo tão complexa que poucas pessoas conseguem compreendê-la) e por suas declarações infundadas (ele já defendeu que a terapia multifocal é capaz de curar o autismo).
  • Eu recomendo a leitura dos textos indicados a seguir; estes apresentam os pontos de vista de profissionais do ramo sobre a figura de Augusto Cury, bem como algumas polêmicas envolvendo o autor.

Para saber mais:

  1. Augusto Cury: site oficial do autor; saiba mais sobre o mesmo, seus livros, projetos, agenda e deixe um recado para o mesmo.
  2. @Augustocury: siga o autor no Twitter e acompanhe o que ele tem a dizer.
  3. Sucesso comercial: artigo publicado pela Folha de São Paulo em 2005 sobre o autor e seu trabalho.
  4. Mestre da imódestia: artigo polêmico publicado pela revista Veja em 2006 sobre o autor e seu trabalho; várias de suas pérolas são citadas.
  5. Guru renegado: artigo publicado pela revista Veja em 2009 sobre Cury ser o guru de Marina Silva, candidata à presidência na época.
  6. Literatura de autoajuda: texto excelente do psicólogo Adriano Facioli sobre autoajuda e Augusto Cury publicado no portal RedePsi.
  7. As razões da auto-ajuda: outro excelente texto sobre autoajuda publicado no editorial de educação do portal Terra.

Resenha: Infinito em Pó

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Saiba antes de ler: não sou crítico literário nem detentor da verdade absoluta. O texto abaixo relata as impressões que tive após a leitura deste livro e não traz quaisquer revelações quanto ao enredo.

Escrito pelo premiado autor mineiro Luís Giffoni, este Infinito em Pó é uma ficção científica cuja proposta difere bastante do que normalmente se encontra em narrativas do gênero. O livro trata da extensa viagem de uma espaçonave gigantesca, capaz de preservar várias gerações de seus tripulantes, rumo ao sistema Alpha Centauri, o mais próximo do nosso sistema solar.

A ideia de reunir a elite intelectual, científica e artística de diversas partes de uma Terra unificada (mas, verdadeiramente, à beira de um colapso) e despachá-la numa missão espacial milenar sem garantias de sucesso é interessante, ainda que pouco inovadora. Contudo, a história é muito bem conduzida pelo autor e o leitor mais afoito que tirar conclusões precipitadas das páginas iniciais certamente se surpreenderá no final.

Pontuada por referências e especulações científicas complexas, a narrativa é de caráter, essencialmente, psicológico; isto é, o autor concentra seus esforços nos personagens, em seus anseios e dramas pessoais, que acabam por moldar suas perspectivas sobre a viagem que empreendem e o meio em que vivem. Outros aspectos predominantes na narrativa incluem o elemento sexual (“Sexo é o combustível desta nave”) e as intrigas políticas.

luisGiffoniA história é desenvolvida através das reflexões e dos pontos de vista de quatro personagens: Shiva Ramanujan, o comandante da missão, e seu filho Nima Prajma; Daedalus O´Curry, o piloto alcoólatra (!); Mira Ceti, a cientista ninfomaníaca; e Aurélia, esposa do comandante, a quem menos páginas são dedicadas.

Há um quinto personagem que está quase sempre presente nas reflexões dos demais e cujas reflexões enriqueceriam ainda mais a história, tendo em vista que o mesmo é uma peça chave para sua conclusão.

Pode-se questionar a necessidade de tal fragmentação da narrativa, mas, particularmente, não consigo imaginar esta história sendo contada de outra maneira. A quase ausência de diálogos, porém, pode incomodar ocasionalmente. E ainda que seja interessante ver os acontecimentos pelos olhos de terceiros, considero ainda mais enriquecedor ver os diferentes pontos de vista colidindo na interação entre os personagens.

Em certos pontos a leitura se desenvolve na terceira pessoa, mas esta transição surge súbita e forçadamente para o leitor, já habituado até ali às impressões da primeira pessoa.

O desfecho, ainda que interessante, deixa a desejar por ocorrer num ritmo muito vertiginoso, diferentemente daquele experimentado ao longo da maior parte do livro. Apesar disto, Infinito em Pó é uma agradável e surpreendente ficção científica, proporcionando uma experiência de entretenimento enriquecedora. Excetuando-se a conclusão apressada e as súbitas mudanças da pessoa narrativa, o livro foi muito bem elaborado e concedo 3 penas-tinteiro (estrelas) para Infinito em Pó.

E esta é a humilde opinião de um escriba.

Nota: enquanto escrevia esta resenha ocorreu-me comparar Infinito em Pó ao popular anime japonês Evangellion, não por quaisquer semelhanças de enredo (longe disso), e sim porque este enfoca, essencialmente, as relações e dramas humanos, mas temperado com boas doses de ficção científica e ação. Fica a dica.

Para saber mais:

  1. Luís Giffoni no Facebook: perfil do autor na rede social; acessível somente aos amigos.
  2. Editora Pulsar: selo próprio do autor pelo qual publicou a maioria de seus livros; informações sobre Giffoni e suas obras, contato e pedidos.
  3. O maravilhoso maluco de BH: entrevista em texto e áudio concedida pelo autor à revista digital Dom Total em 2009.
  4. Romance: Infinito em Pó: artigo da Folha de São Paulo publicado à época de lançamento do livro; disponível apenas para assinantes UOL ou Folha.com.
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