“Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito.” Adorável, não é mesmo? O autor desta pérola é o best-seller norte-americano Paul Auster – ou pelo menos é o que diz o Google!
Se tivesse que estimar, eu diria que 99% dos escritores do mundo concordam com ele. Mas não sou bom com estimativas. Eu poderia apostar que VOCÊ concorda com ele, mas também não sou bom com apostas.
Um escritor conta histórias com palavras. Um fotógrafo as revela pelas imagens. O que pode resultar desse encontro de artistas? Um projeto literário delicioso e apaixonante, é claro.
O Fotos e Grafias apresenta uma proposta de ressignificação por meio da fotografia e da literatura. Quinzenalmente, T. K. Pereira e Felipe Assunção oferecem um novo olhar sobre o cotidiano humano.
Ontem fez um ano que fui convidado a escrever sobre meu processo criativo no 2 mil toques, projeto do amigo escritor André Timm. Tudo o que eu disse ali ainda é verdade, mas achei que valia a pena dar uma incrementada. Então vamos lá…
Você não leu o texto publicado no 2 mil toques? Confira meu processo criativo.
Eu gostaria de escrever todos os dias. Ainda não consegui. Ou melhor, não consegui escrever ficção. Não ficção é outra história, já que estou sempre produzindo algo: artigos, crônicas, notas irregulares de diário, desabafos (os quais você dificilmente lerá por aqui… ok, este é exceção). Escrever ficção é meu calcanhar de Aquiles.
Em novembro de 2012, eu tentei trabalhar diariamente por 30 dias em um livro de contos; não deu muito certo. Sim, eu estou falando da minha participação no NaNoWriMo (tá chegando, galera!); sim, eu sei que venci o desafio. Mas questão é que trapaceei: não passei o mês todo escrevendo e, por isso, meti-me em algumas maratonas de 4, 5 horas ininterruptas para compensar os dias (uns 6,7) em que fui totalmente relapso.
Em 2014 – é, dois anos depois! – eu comecei a reescrever o tal livro (e ainda o estou reescrevendo); de novo, teimei em fazê-lo todos os dias. Deu certo? Por um (brevíssimo) tempo, sim; nada diferente das inúmeras tentativas anteriores. O fôlego se perde, a vontade pulveriza, a agenda atrapalha, as estrelas desalinham, sei lá, vá entender.
Estabeleça metas, dizem por aí; comece pequeno e aumente aos poucos até pegar o ritmo, eles dizem. E não tentei de tudo? Escrever tantas palavras por dia, tantas páginas por semana, tantos contos ou capítulos por mês. Até utilizei o tal sistema do comediante Jerry Seinfeld (adaptado pelo Diego Schutt do Ficção em Tópicos), mas minha corrente de dias de escrita ficou repleta de falhas.
Toda tática que eu adoto, toda meta que estabeleço começa bem, mas no fim não gera nada além de frustração, ansiedade. Minto. Houve uma, a meta mais desafiadora que já encarei, que rendeu fruto, sim: escrever aquele livro de 50 mil palavras em apenas um mês. Ah, que misto de paraíso e inferno foi aquela época…
Sonho com o dia em que conseguirei escrever diariamente, nem que seja 1 horinha por dia. E não falo de artigos, e-mails de trabalho, desabafos como este, nem bobagens diversas; falo de ficção, de criar tramas, personagens, de contar histórias que mexam com os leitores. Afinal, é por isso que insisto nessa história maluca de ser escritor.
Quero te pedir um favor, meu caro, leitor: deixe-me saber se estou ou não sozinho em minha angustia compartilhando sua experiência nos comentários.
Como você lida com a questão de escrever ou não todos os dias?
Para saber mais:
Calendário do Escritor: você pode baixar um calendário de escrita gratuito no Ficção em Tópicos, site do parceiro Diego Schutt.
Sou filha de professora, que também era secretária na escola (estadual) em que eu estudava. Minhas tias, professoras – sempre serão apesar de não exercerem mais. Aqui em casa (ops, lá em casa, no passado) muitos livros, havia um armário com quinze volumes da Barsa. Lembro que necessitar dela pela primeira vez foi simplesmente científico. Senti-me aqueles pesquisadores incansáveis, visto em algum filme.
Mesmo antes de saber ler, sempre exerceram fascínio, aquelas páginas grudadinhas. Como pouco ou nenhum desenho poderia ser tão interessante?
Já na quinta série (aquela antiga) nada podia aprontar na escola. Todos os funcionários me conheciam: a menina da Ana. Mas o benefício… Ah, o benefício! Nas férias podia escolher quantos livros eu quisesse na biblioteca. Não bem assim, explico: todos os livros que eu quisesse para minha idade!
Passavam pelo crivo da bibliotecária ditadora. Logo avistado um indevido, descia para explicar: “sua filha não pode”. Sempre tentava o Charles Dickens. Só por ser o “não” tornava-o ainda mais curioso. Junto, na prateleira, havia uma coleção de capa dura, especificamente minhas mãos corriam para um exemplar chamado “Mulherzinhas”. Também era proibido.
Quando liberariam minha leitura?
Por pura indicação adquiri antipatia profunda pelo Padre Zezinho. E Poliana, menina, moça, mulher. Qualquer polianice me irritava. Tornei-me negativa por insistência de leia isso. Só para ser o contrário dessa fofice absurda.
É assim que criam uma menina a gostar de rock. Indicando livros religiosos e fofos.
Aconteceu um belo dia, no final do expediente escolar à tarde, escolhendo um ou outro livro, em análise absolutamente silenciosa, descobri-me sozinha na biblioteca. Olhei a porta. Fechada. Olhei as luzes, apagadas. A ditadora esqueceu meu silêncio! Aproveitei a claridade lá fora, antes, bem antes do meu apavorar! Fui logo na estante proibida. Enfim meu abraço… Mulherzinhas! Devorei em duas horas, talvez cem páginas.
A visão insignificante do entardecer trouxe a sensação da realidade: vitória com pavor de dormir na biblioteca.
Abri os basculantes e comecei a gritar Seu Juca. Graças por conhecer todos os funcionários, amém, consegui ser libertada.
Escura a rua que descia para minha casa. Não, não havia celulares. Previsível surra me esperava. Não, não era absurdo umas chineladas. Naturalíssimo.
Entre os belos xingos, chinelos e tentativas de explicações, lá dentro cantava a música da vitória. We are the champions também. Sem eu sequer ainda conhecer.
Sim, eu transgredi.
E amava rock. Queria voltar e sentir aquele prazer. Misturado com medo e dor. Talvez já fosse amor.
* Mulherzinhas – Escrito por Louise May Alcott.
Sobre a autora
Aden Camargos é pessoa engolidora de choros, por isso sofre de derrames por extensos quase todas as noites. Os assuntos que ela escreve referem-se ao enorme mundo à volta de seu umbigo. Adora escrever e fazer andanças; sobe morros e picos.
Suspeita que a felicidade seja algo tão difícil de alcançar que deve estar no mais alto ponto do Himalaia. Por isso escala em MG e RJ; vai que existem felicidadezinhas nas montanhas menores? Não suspeita que seja escritora; é uma atrevida mesmo.
Então eu te vi. Como quem vê banalidades atuais. A gente corria por aí. Bicicletas observáveis. Lojas, supermercados, o dia a dia que ainda pode matar. Era uma tatuagem a caminhar. Flores surreais, plurais. Olhar para trás pode ser um ataque, pode começar uma guerra, houve notícias que viraram sal.
Na mesma cidade você carregava pesos fechados em caixa. Eu descia leve, faminta. Entre nós, pessoas com suas vidas misteriosas desciam, subiam e se procuravam.
Num instinto deixei um recado, talvez direito. Com restante poético embalado, enrolado, feito um futuro cigarro, com nome perfurado.Eu que nem fumo. Sem querer parecer forte saiu um pouco sagrado. Senti. Um exibicionismo da minha mão que reporta a teclas infinitas. Ah, se eu pudesse fazer você perder a linearidade!
Essa pose por fora. Essa coisa marrenta que desmancha no sol, ao calor jogado. Aposto que vai marcar a facadas por semanas, até se desmanchar no breu do quarto. A noite serve para desvanecer sonhos.
Pronunciei nome. Eu, já esquecida dessa matemática. Como nas brincadeiras dos meninos houve obrigatoriamente um codinome, um apelido. Nos gritos de passarelas, nos carros quando passam. Como chamar? Veio aflição. Poderia guardar as letras que lembraram guerra. As infinitas numerologias feitas por mim, quando veio possibilidade estacionada perto de casa.
Motivos estéreis moveram a hora do seu trabalho. Refeições de medo, vigília, exageros, total submissão.
Além disso, a textura dos cabelos que toquei. Posso descrever até a sensação que não tive, crio uma paisagem negra e brilhante. Farfalhante de quando fala. Um reflexo noturno me encantaria. De lua, de luz fraca, poste, faróis à quase manhã.
Pena, ficamos com a preservação do negro. Dos costumes habituados. Dos vícios incorporados. Das infelicidades não ditas nem esclarecidas. Roupas negras, coisas negras no rosto… Olhar diminuído. Sono. Apreensão. Nada que tenha sido eu a causa. Mal acabei de voltar de mim e vem você, “se” aparecendo assim, sem permissão, sem prévia, sem piedade. Minha porteira é de ventania, não tenho como travá-la. Coisa de interior. De estrada percorrida, poeira e gado no pasto. De repente desce raio.
Não se engane. Sinto muito que não seja preservada a beleza poética do desmatamento de roupas. Seu sorriso não me olha, é um fetiche de obrigação. Uma vontade de mudar que não chega a caminhar, um aborto até. Claro que vi, até sabia do fim, só não pude evitar.
Descarregue o que tinha. Toque lindamente. Já desci, mesmo querendo ficar e ver a tortura permanecer. Não era hora, máquina do tempo perdido. Chovia. Para evitar, morri. Não sei bem se eu chorava, afobava ou dormia. Foi quando cheguei de novo em mim. Foi bem aqui. Me esfolei na cerca, tinha luz ligada, serviu de nada. Nem placas, nem trovões ou diversas claridades. Aproveite suas razões. Eu, a encantada.
Sobre a autora
Aden Camargos é pessoa engolidora de choros, por isso sofre de derrames por extensos quase todas as noites. Os assuntos que ela escreve referem-se ao enorme mundo à volta de seu umbigo. Adora escrever e fazer andanças; sobe morros e picos.
Suspeita que a felicidade seja algo tão difícil de alcançar que deve estar no mais alto ponto do Himalaia. Por isso escala em MG e RJ; vai que existem felicidadezinhas nas montanhas menores? Não suspeita que seja escritora; é uma atrevida mesmo.
Dirijo. Ao lado, pela janela entreaberta, o mundo, nítido. À frente, trânsito. Tarde da noite, e trânsito. As horas do dia pesam; corpo e mente clamando por piedade. Ignoro-os. Tento ficar atento ao meu redor, preciso encontrar aquele algo, o click, o insight. Nada.
O estômago urra – quando foi a última vez que comi? Os faróis são apagados pelo esplendor da praça iluminada. Luzes de Natal… Natal! Jesus, família, significados deturpados, o verdadeiro espírito da festa. Nada.
Bá, não me vem nada que já não tenham alardeado por aí; exceto, talvez, que a figura do velhinho bonachão de roupinha e sacolão vermelhos é uma criação da Coca Cola – disso eu não sabia. Carros e pedestres, pedestres e carros. E a Musa? Essa está de férias já há algum tempo, talvez se preparando para celebrar o Natal. Que tal música? Essa sempre inspira algo. Ah, rádio quebrado, esqueci. Celular. Podcast de literatura. Quem sabe?
Paro de prestar atenção em tudo. Ao som do burburinho, sou visitado por fantasmas, mortos e vivos. Eis Nelson Rodrigues, repórter, cronista e conselheiro de relacionamentos, tudo no mesmo dia; ao seu lado, Bráulio Tavares, com caderno e caneta em mãos, escrevendo mais um de seus inúmeros textos para sua coluna diária. Diária! Os dois caminham com sorriso zombeteiro pela calçada ao meu lado; vão na direção de um clássico Plymouth Fury dirigido por Stephen King, que os aguarda com um monte de folhas, ansioso para lhes mostrar mais duas mil palavras escritas hoje.
Antes que o carro dispare por uma rua livre do trânsito – nojentos! – e suas risadas se dissipem ao longe, os ouço comentar sobre uma visita a Rioky Inoue: o recordista mundial lhes contará de novo como passou, em algum momento da década de 90, a escrever três livros por dia. Obrigo-me a pensar em Joyce e na anedota onde ele revela a um amigo – ou a esposa, depende da versão –, ter tido um dia produtivo após escrever três frases (ou quatro, vai saber).
Mais adiante, estrada livre, disparo no limite da via, pensando. Penso no livro de contos que se arrasta há dois anos, nos cursos que pretendo fazer e que, espero, tornem-me um escritor melhor. Penso que talvez esteja perdendo tempo ou enganando-me sobre ter algum talento com a palavra.
Penso, penso, penso. Já me disseram que penso demais, que eu deveria sair da minha cabeça com mais frequência e ver o mundo lá fora. E eles têm razão, mas hoje o mundo não me oferece nada além de enfado e isso já tenho de sobra, obrigado. Onde está aquele universo em movimento e sua promessa de inspiração, de histórias a contar? Dormindo? Volto pra dentro, mesmo sabendo que ali só há angústia, dúvida, birra até – como é possível querer mesmo viver de tanta frustração? Bá, melhor é desligar.
Casa. Janta, banho, sofá, sono. Dentes escovados, cama feita, cabeça no travesseiro. Luzes apagadas. Click. Luzes acesas. Meio inconformado, pego o caderno e começo a rabiscar este texto. Quem sabe o amanhã não vem com o insight, a revelação – quiçá a Musa me ligue ou mande um cartão postal? Mas, caso isso não aconteça… Rabisco, revejo, penso, repenso. Melhor garantir algo para o encontro de amanhã. Suspiro alto, chateado e irritado por cair no clichê de mais uma crônica sobre a falta de assunto.
Este texto foi escrito durante a oficina Caro Leitor: A Cronista e as Palavras, ministrada pela escritora Ana Elisa Ribeiro em Belo Horizonte em novembro de 2014.