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Universos Paralelos – por Aden Camargos

Ônibus na EstradaFoi um dia de atravessar portais. Para a estranheza de quem recebeu a chave oca do teletransporte, é de se esperar a surpresa do impossível. Ao chegar ao ponto de ônibus – local chamado de “na ponte”, que não é ponte – avistei um rico. Quiçá milionário. O que ele fazia na ponte? Tem helicóptero! Por aí, já pressenti: não existia aquele momento. Era ilusão o portal, a abertura, a chave. Minha vida.

Meus poderes xamânicos estavam imundos de pântanos interiores e bem soube: vai fechar! Não se manteria aberto. Mas eis que o desacelerador de partículas comprado usado do CERS chegou imponente.

E como tudo em Itaúna, seguimos sempre parando. Ah, meu Deus! O rico entrou! Fico apreensiva nessas viagens. Suspeito que há uma máfia de entrega de pães de queijo sem notas fiscais em Mateus Leme. Não há paciência nem playlist que suporte tantas desacelerações, entradas e saídas. Juro que descem as mesmas pessoas que sobem. Acabaram de descer e já vem de novo? Claro, são os pães de queijo, arrependeram-se e querem mais!

Não era pela quitanda, mas um homem entrou gritando. Sua mulher também. Foram se desnudando da vida de casa e do quarto. Ele era um chato, devia dinheiro até para as palavras feias. Ela estava “cheia de pedra”, uma louca. Sim, agora entendi o que era louca de pedra. Não era amor. Não era ódio… Ele pagou ambas as passagens. Para a cobradora pagou em dinheiro. Mas sobre a dívida com palavras, insistiu em nos demonstrar planilhas com colunas de mágoas. Chamou-a pelo nome: Lixo.

Coloquei o All Star de Cássia nos ouvidos. Sim, algum silêncio musical para que eu não me envolvesse. Curiosidade entre azul e preto? Tantos segredos voando de sacolinhas… Desliguei.

Barreira da polícia sempre foi o lugar de passar despistado, colocar os cintos. Mas foi onde ele tirou em sonoro “pare”! “Vou deixar essa louca aí”. Pronto. Chave oca errada! Vamos atrasar no B.O. Todos testemunhas! Claro, era o portal se tremendo todo, mal se equilibrando nas energias rosa do amor aos livros. Sei, sei, não vai aguentar.

A doida já não manifestava sobre dívidas e chatices. Sentiu medo, fome, solidão. Seus olhos gritaram e choraram pedras. Senti doer. Eram cálculos auriculares. Expeli-los dói muito. Soluçava. Ele mandou seguir. Sentou três banco mais perto. Se não tivesse exibido tanta contabilidade, talvez a abraçasse. Apenas abriu seu baú de moedas vis pela janela, se endividando até o pescoço, sufocado de vento.

Ufa! A chave oca na mão, numerada 128634 foi guardada. Funcionou, já que de Contagem em diante já era outra dimensão.

Foi só turbulência… Coisas de caminhos tortos. Desci em BH. As interceptações na Afonso Pena ainda me fizeram procurar pela magia. “Per benedictionem clavis beneficus”! Me deixem passar! Ave! Aula de novos poderes, novos feitiços, novas poções. De beber às talagadas. Aconteceu! Nesta taça… Esta que desenho aqui, agora, em rabiscos fonéticos.

Sobre a autora

Aden CamargosAden Camargos é pessoa engolidora de choros, por isso sofre de derrames por extensos quase todas as noites. Os assuntos que ela escreve referem-se ao enorme mundo à volta de seu umbigo. Adora escrever e fazer andanças; sobe morros e picos.

Suspeita que a felicidade seja algo tão difícil de alcançar que deve estar no mais alto ponto do Himalaia. Por isso escala em MG e RJ; vai que existem felicidadezinhas nas montanhas menores? Não suspeita que seja escritora; é uma atrevida mesmo.

Para saber mais:

  1. Aden no Facebook: perfil da cronista na rede social.

Lero-lero: McDia infeliz

Lero-lero

Lero-lero é uma coluna regular cedida ao meu parceiro de letras Diogo Ruan Orta. Gente finíssima e com carta branca para escrever o que desejar, ele compartilhará por aqui crônicas, desabafos, contos e o que mais houver dentro daquele caos enevoado que ele chama de mente. Espero que o leitor se divirta tanto quanto eu lendo e desvendando o quanto dos escritos do Diogo é fato e o quanto é ficção.

O andrógeno abriu a porta e mal me encarou. Tinha no rosto a perfeita expressão do tédio. “Bem-vindo, senhor”, disse num muxoxo. Senti que não se importava se eu o havia escutado ou não. Largado perto de uma caixa registradora, outro moleque, metido no mesmo pavoroso uniforme cinza. Da meia dúzia de condenados do lugar, este se destacava pelos cabelos rentes, estilo milico, e pelos olhos roxos que me intimavam a comprar algo.

Seguiu-se o roteiro à risca: “boa tarde, qual o seu pedido?”. Uma promoção, por favor. “Qual bebida?”. Suco. De laranja. “Aumenta a batata por um real?” Não, não. “Acompanha sundae e leva um copo da Copa?”. Opa! Quem mudou o roteiro? Não era assim que eu me lembrava. Copo da Copa? Sério? Esse povo já foi mais bem treinado. Não vai ter Copa nem vai ter copo.

Forma de pagamento, preço, passa no crédito, a senha, “aguarda ao lado, por gentileza.”. Os olhos fundos dizem mais: “fique onde quiser, nem ligo. Odeio minha vida.”. Do balcão entre mundos fitei os bonecos cinzentos agitando-se pra lá e pra cá. Espinhas pipocavam das peles oleosas, roupas de sobra sobre braços e pernas esqueléticas, corpos amorfos. Desprovidos de vontade e vida, como autômatos frios. Nunca sorriam, exceto nas fotos de funcionários do mês – três. Não deveria haver apenas um?

Lanchonete Fast FoodDe pedido na mão, entoquei-me perto da vidraça. No parquinho colorido do outro lado uma mãe chamava pelas crianças, mas escadas, tubos e escorregas são sempre mais atraentes do que um lanchinho. Música. De alto-falantes ecoavam os sons da rádio que embala as suas refeições. Tocava quando entrei? Entregues ao ritmo, meus pés sapateavam sobre perguntas (e problemas) irrelevantes.

Eu mastigava e corria os olhos pelas paredes repletas da caixinha cartunesca. Travestida de herói, tinha o sorrisão e os olhões mais vivos que os dos escravos sem alma além do balcão. E então as lembranças me tomaram de assalto: outra época, mesmo lugar, uniformes diferentes, sentimentos semelhantes. De relance, refletido na vidraça, notei o reflexo do passado com sua face sardenta, pele engordurada, cabelos desgrenhados, e dentes aprisionados. Olhos fundos.

Transportado de volta ao agora por um calafrio e uma bufada, espantei-me com a multidão que enchia o lugar. De onde vieram? Quando? Droga, molho na minha calça. Limpo enquanto brinco de distinguir e rotular: mochila nas costas? Universitários. Terno e gravata? Empresário. Shortinho, piercing, camisa de marca? Patricinhas, boyzinhos. Loira superficial. Mulata sensual. Ruiva misteriosa. Pai divorciado passeando com a filha. Aquele ali já deve ser avô.

O andrógeno depressivo recebia e despedia, sem nunca olhar nos olhos, um fone enfiado em uma das orelhas. E o ciclo se repetia. Balcão, pedido, preço, pagamento, lanche, mesa, rua. Ah, a rotina, essa merda. Todos tão metidos em suas mesquinharias, sempre. Eu também, mas não naquele dia. Por quê? O que me tinha arrancado do marasmo de todo dia? Acho que eu sabia bem o quê… Então o toque do celular me despertou para a realidade. De volta ao trabalho. Restos no lixo, bandeja devolvida e fui pela porta afora. Antes de sair, ouvi o sopro distraído: “volte sempre”.

Um novo Escriba Encapuzado?

The GovernorOlá, eu sou Diogo Ruan Orta, aquele sem noção lá da coluna Lero-lero. Antes de qualquer coisa, não, o T. K. Pereira não pendurou o capuz – o inocente que quer ser escritor no Brasil ainda é o Escriba Encapuzado. Ele só me pediu que ajudasse a cuidar do seu site por um tempo.

Eu deveria saber que o T. K. não me chamaria pra escrever aqui a troco de nada. Bom, pensei em publicar mais do meu papo furado, mas o chefe (gostou dessa, do capuz?) insistiu para que eu escrevesse algo útil de vez em quando. Ainda que isso seja totalmente contra as minhas cláusulas contratuais, vou quebrar esse tronco e tentar manter isso aqui interessante para quem também quer ser escritor.

As pautas já estão em mãos (o T. K. tem pastas e pastas de ideias para posts!), então vejamos o que posso fazer enquanto o chefe se dedica ao seu primeiro livro de contos. Meu primeiro post já foi publicado – já conferiram as 10 dicas do mestre Tolkien para escritores?

Ah, e um aviso à meia dúzia de leitores da minha coluna: relaxem, pois continuarei com meu Lero-lero – só não garanto muita regularidade, já que o escraviário aqui agora tem novas tarefas.

É isso. O próximo post já sai amanhã, então fique ligado!

 

Não é pelos R$ 20 bilhões – por Lorena Otero

Na última quinta-feira, saí de casa animada pelo expediente curto. Essas horas a menos no trabalho eram minha maior relação com a estreia do Brasil na Copa do Mundo. Escolhi um vestido verde apagadinho, perfeito para não levantar suspeitas. Pra quem #naovaitercopa, eu era mais uma que não dava a mínima para o mundial. Para quem #vaitercopasim, eu me misturava perfeitamente em uma torcida de verdes, amarelos e azuis berrantes. A verdade é que eu já me sentia casada da Copa e não queria me dar o trabalho de tomar um partido.

Cena de Last Week Tonight with John Oliver.

Em vídeo, apresentador fala sobre os abusos da FIFA no Brasil.

Os absurdos que a FIFA fez no Brasil, com a bênção do governo federal, são motivos reais de indignação. Não tínhamos condição financeira de hospedar um evento dessa magnitude, muito menos moral para impor respeito. Os protestos que começaram com a defesa de um ideal e explodiram em um manifesto de insatisfação à política, se esfriaram porque eram poucos aqueles que sabiam o que estavam fazendo. A grande maioria foi levada pelo clima, foi palha envolvida pela chama.

Hoje, os protestos são povoados por mascarados violentos que se distanciam de seu significado. Onde está a lógica da minha crítica se, para condenar a violação ao meu país, eu destruo os símbolos da minha cidade? No meio destes, alguns românticos vazios nem sabem direito o que defendem com argumentos genéricos, se colocando em risco e alimentando um movimento descaracterizado. Os estudantes dos diretórios acadêmicos, militantes e cidadãos inteligentes que, no início de tudo, comandaram essa rebelião contra a omissão dos governantes, estão desfocados por pessoas que não os representam.

A cereja no topo do bolo é a elite brasileira. No ano passado, mauricinhos e patricinhas de toda parte se deixaram levar pela beleza das avenidas lotadas e pelo orgulho de ser brasileiro. Este ano, eles só querem chegar cedo em casa e esperam que não nenhum black block ouse a entrar em seu caminho. Na abertura da Copa, foram eles que ofenderam a presidente Dilma Roussef, provando que alta escolaridade não tem nada a ver com educação.

Essa Copa do Brasil nem é feito da Dilma, meu povo. Quando fomos escolhidos para sediar o mundial, foi o Lula com seus quatro dedinhos que apertou a mão do Joseph Blatter, todo sorridente. Isso aconteceu em setembro de 2007 e, se não estou enganada, tinha quase tanta gente na rua comemorando o resultado anunciado pela FIFA quanto tinham nas manifestações de 2013.

O ímpeto que levou toda essa classe a média desabafar no estádio palavrões repreendidos em suas residências é feito do mesmo material que move os mascarados nos atos de vandalismo: anonimato. Dentro de um grupo, eu não tenho personalidade, não tenho voz e faço parte de uma massa sem rosto. O meu grito no estádio se soma ao coro. Minha pedra na vidraça se soma ao carro da imprensa incendiado. Ninguém é culpado quando a responsabilidade é de todos.

Somos um?

No anonimato todos estão certos, mesmo quando estão errados. – Foto de Rodrigo Dias

Por tudo isso, eu estava com preguiça da Copa. Já tinha saturado o tema e a ideia de conviver com o campeonato por mais um mês me desanimava profundamente. No entanto, foi só quando meu namorado me obrigou a assistir o jogo que eu percebi o que eu estava ignorando na minha pretensiosa análise da situação. A Copa do mundo não é só determinação nonsense, não é só corrupção, não é só declaração babaca de ex-jogador despreparado. É a maior festa do futebol, uma das poucas coisas capazes de nos unir como nação. Cada brasileiro, em algum momento de sua história, já utilizou o número de Copas que assistiu como unidade de medida da própria vida. Isso é grandioso demais para ser desvalorizado.

Nesta terça, quando o Brasil joga de novo, o verde da minha roupa vai ficar mais corajoso. Vou para o trabalho com a camisa da CBF de apenas quatro estrelas que ganhei no ano do Penta. Ela é velha, um pouco encardida, e tem quase quatro vezes o meu tamanho. Mesmo assim, vou andar pela rua orgulhosa, e esse sentimento não tem nada a ver com o governo que abriu as pernas para a FIFA ou os amigos militantes que vão me julgar pelo “patriotismo alienado”.

The New York Times filma manifestantes comemorando gol do Brasil.

The New York Times filmou manifestantes comemorando o primeiro gol do Brasil.

Essa camisa é o meu pai vestindo a filha de 12 anos com a roupa do próprio corpo porque não queria ninguém da família descaracterizado durante o jogo. É a minha sogra que, mesmo durante uma fase de luto e tristeza, vibrou e gritou de alegria quando o Oscar fez o terceiro gol. É minha mãe, eterna desapegada de todos os bens materiais, guardar minha touca listrada de verde amarelo porque sabe que me dá sorte. É a vitória de ter mantido a mesma turma de amigos para torcer por mais uma Copa. Não é fechar os olhos para a situação política do meu país. É me permitir viver uma alegria que faz parte da cultura brasileira.

Sobre a autora

Lorena Otero é jornalista e trabalha em uma agência de comunicação. Fora os textos do trabalho, lê o Escriba, revistas e livros. Fica feliz na época de horário político e detesta verduras e insetos.

Já escreveu um livro infantil de quatro páginas quando tinha sete anos e acreditou quando a professora disse que ela tinha jeito com as palavras. Deviam prestar mais atenção nos profissionais de educação deste país.

Para saber mais:

  1. O efeito nhé: onde a cronista convidada Lorena Otero comenta sobre o mascote da Copa.
  2. Pautas Caídas: blog ao qual a cronista pretende se dedicar mais no futuro.

Lero-lero: Só mais uma noite perdida

Lero-lero

Lero-lero é uma coluna regular cedida ao meu parceiro de letras Diogo Ruan Orta. Gente finíssima e com carta branca para escrever o que desejar, ele compartilhará por aqui crônicas, desabafos, contos e o que mais houver dentro daquele caos enevoado que ele chama de mente. Espero que o leitor se divirta tanto quanto eu lendo e desvendando o quanto dos escritos do Diogo é fato e o quanto é ficção.

No balcão do bar, Muhammad Ali me mediu com olhos duros. Um instante depois, ele bufou, cheio de marra. Devia achar que o franzino aqui não era ameaça. Nem liguei. Só queria saber das curvas da candidata a Globeleza ao lado dele. Era uma noite fria, mas a morena estava à vontade no vestido – ou seria uma blusa? Até o Papa babaria diante da mulher: cachos escuros caídos sobre ombros nus, pelinhos amarelos pelas coxas adentro, perfume alucinante fluindo da pele lustrosa.

Um toró de braço espremeu a cinturinha dela e dedos tamborilaram no alto das nádegas. O brutamonte se esbaldava. A inveja doeu no estomago (ou seria fome?). Daí eu escutei aquelas vozes e quase explodi de ri. É, meu povo, que outros estragos essas bombas andaram fazendo? Que Ali soasse como uma soprano não incomodava a Globeleza – na verdade, de tão rouca, ela agora mais lembrava uma panicat.

Eu quis me sentar longe do casal de matracas, mas o lugar ainda estava lotado. Já que ia esperar mais, por que não molhar a garganta? Do lado de lá do balcão, uma branquela beiçuda lavava algo na pia e me ignorava. Dirigi o apelo sedento a um rapaz de avental que vi correndo até o freezer. Já vou, me respondeu com a cabeça. Equilibrando seis latas de Skol, ele voltou a toda pela portinhola perto do caixa e apanhou uma cadernetinha preta. Antes de sumir lá nos fundos do bar, ainda assentiu para outras três mesas.

Olho EsmeraldaTremenda putaria colocar três pessoas para atender, o quê, três dúzias de pessoas? Pior, em uma sexta-feira! Ou seriam apenas duas, já que o caixa parecia abandonado? Que sacanagem despencar lá da capital pra implorar bebida no tal novo point do qual todo mundo tem falado. Cidade pequena tem dessas merdas. Ao invés de aproveitar o sucesso pra investir na melhoria do lugar, o que o dono faz? O muquirana corta custos, aumenta preços. Quem não gostar que fique em casa ou vá à quermesse da igreja.

Foda-se. Passo bem sem esse lugar, obrigado. Talvez ainda dê pra encontrar a turma e ver as pervas dançando alucinadas. Vai querer o quê, amigo?, era o equilibrista frenético ao resgate, mais veloz do que o Papa-Léguas. Opa-opa, gorjeta indo embora. Bip-bip. Vai querer o quê, amigo? Eu já ia dispensá-lo com uma torra, mas tive uma visão que me fez desistir. Uma Coca-Cola; gelo e limão, pedi – a garganta queria álcool, mas eu tinha uma longa estrada de volta pra pegar. Indiquei um lugar perto da fachada e, sem dar mais atenção ao rapaz, fui atraído por aquelas joias.

O pedido não demorou – ou talvez tenha demorado, não sei bem. Mergulhado no mar verde daqueles olhos eu tinha perdido toda a noção do tempo. A garota que eu contemplava perdia feio para a Globeleza madura e sinuosa de Ali; tinha cabelos chamativos, mas tão dourados e lisos que não poderiam ser naturais; a maquiagem de gueixa era uma máscara. Ela não era feia, só estava pouco abaixo dos meus padrões. Ainda assim, não resisti às esmeraldas que faiscavam em seu rosto.

Meu fascínio incontido foi notado com satisfação. Sei reconhecer as sutilezas femininas nos gestos, olhares, respiração; tive mulheres o bastante para isso. Ela gostou de algo em mim, o que me surpreendeu. Uma maré péssima tem me carregado nos últimos tempos; eu chego a duvidar de que terei outra mulher tão cedo. Sim, ainda, pois naquela noite hesitei. Por que não tomei uma atitude? Por que me contentei em admirar aqueles olhos à distância até que eles saíssem da minha vida da mesma forma que entraram? Não faço ideia.

Enquanto escrevo sobre aquela noite perdida – apenas mais uma entre tantas em minha vida – tento encontrar respostas convincentes. Mas de duas coisas tenho certeza: lamento minha hesitação (desdém? covardia?) e torço por outra chance com a garota de olhos sobrenaturais. Talvez assim eles parem de me atormentar todas as noites em meus sonhos.

Sobre o autor

Diogo Ruan OrtaDiogo Ruan Orta é um leitor fanático. Detesta redes sociais e vive em rigorosa dieta de informação desde que concluiu que há pouquíssima vida inteligente no mundo virtual. Antissocial, acredita ter meia dúzia de amigos verdadeiros – destes, dois vivem sob o mesmo teto que ele. Não tem pretensões de se tornar escritor (no Brasil? Que piada!), mas sente que escrever é seu carma e uma forma saudável de dar vazão aos seus instintos psicopatas.

Lero-lero: Uma banana pra sociedade!

Lero-lero

Lero-lero é uma coluna regular cedida ao meu parceiro de letras Diogo Ruan Orta. Gente finíssima e com carta branca para escrever o que desejar, ele compartilhará por aqui crônicas, desabafos, contos e o que mais houver dentro daquele caos enevoado que ele chama de mente. Espero que o leitor se divirta tanto quanto eu lendo e desvendando o quanto dos escritos do Diogo é fato e o quanto é ficção.

O mundo me enoja. Ou será o ser humano? Sim, faz mais sentido: a humanidade me enoja. O Todo-Poderoso (Deus, não Morgan Freeman) cantou essa pedra milênios atrás. Imagino se Ele não estará cogitando um novo dilúvio para breve – sujeira para lavar tem de sobra. Aproveite a estação de chuvas e o descaso de nossos governantes eleitos, ó Divino, e afunde a todos nós nas águas lamacentas de nossas vergonhas.

O racismo é a bola da vez. TV, rádio, sites, redes sociais, todos alardeiam o caso: Villarreal x Barcelona, segundo tempo; o lateral-direito Daniel Alves interrompe a cobrança de escanteio para comer uma banana atirada em campo. “Banana evita câimbra”. Espirituoso. Banido pelo resto da vida, o torcedor babaca assistirá aos jogos do Villarreal pela TV. Que terrível punição.

A comoção é geral: indignação, revolta, solidariedade. É hora de retomar o debate sobre as diferenças raciais, enfrentar o preconceito, gritar, ir para a rua. Parece pouco, não? Isso já foi feito antes, pouca coisa mudou. Talvez o melhor seja bradar em 140 caracteres, publicar selfies nos paraísos de felicidade e engajamento artificiais. E por que não ir além? Esmagar o racismo com aquela hashtag esperta – #somosTodosMacacos soa genial, não soa? –, com o apoio de celebridades que convivem desde sempre com o preconceito.

Banana contra o Preconceito.

Dando uma banana pro preconceito.

Que o apresentador solidário tire algum lucro disso não importa. O que vale é a mensagem, é consertar o que é errado, é o apoio e o engajamento para destruir esse mal do coração dos homens. Sabe de nada, inocente. A questão é fazer um bom negócio, é vender uma imagem. Um pouco de fumaça, espelhos (e aconselhamento publicitário), e presto!, o craque que nunca se admitiu negro tem um surto de cidadania e corre para o front em defesa do companheiro.

Se a jogada é boa, por que há tão poucas fotos (ainda não vi nenhuma, pra ser honesto) de negros posando com bananas? Será que não entenderam essa brilhante ação de marketing? Seria uma pena, afinal, tanta gente do bem se ergueu em defesa de seus direitos. Ainda assim, o valor da iniciativa é bem claro, não é? Quando as chamas do incêndio cívico se apagarem, seria interessante promover um debate igualmente valioso. Até sugiro uma hashtag para a campanha: #somosTodosOportunistas. Não é genial?

Sobre o autor

Diogo Ruan OrtaDiogo Ruan Orta é um leitor fanático. Detesta redes sociais e vive em rigorosa dieta de informação desde que concluiu que há pouquíssima vida inteligente no mundo virtual. Antissocial, acredita ter meia dúzia de amigos verdadeiros – destes, dois vivem sob o mesmo teto que ele. Não tem pretensões de se tornar escritor (no Brasil? Que piada!), mas sente que escrever é seu carma e uma forma saudável de dar vazão aos seus instintos psicopatas.

Sorriso

Parado diante do portão, eu a vejo do outro lado da rua. Como um observador empenhado em decifrar uma obra de arte, permito-me contemplá-la num misto de fascínio e incerteza.

Então tudo ao seu redor assume aspectos de fantasia, a natureza conspirando para colorir diante de mim um quadro de pura beleza: sob um mar celestial, numa tarde de verão, uma musa em bronze banhada por águas cristalinas que lhe refrescam o corpo e a alma.

Como uma criança a divertir-se, ela sorri; não há sinal das preocupações que até a pouco a consumiam. Não posso evitar o fluxo de sensações que me acomete e agita os pensamentos. Ali está a mulher por quem me apaixonei, aquela que usufrui tudo o que a vida tem a oferecer, capaz de enxergar as mais terríveis situações de modo otimista, de transmutar lágrimas em sorrisos. Penso que não por menos todos a amam.

Em seguida, repito internamente, pela enésima vez, que ninguém jamais a amará tanto quanto eu. Exagero? Recuso-me a crer, eu que a conheço e aceito em todas as suas perfeições e imperfeições, que me disponho a transpor qualquer obstáculo só pela satisfação mesquinha de apreciar aquele sorriso, que a todos encanta, que a tudo ilumina, que à alma alenta.

Amor é isso, imagino; é querer bem, e cuidar, compartilhar instantes, rir e chorar; é tudo isso e mais, muito mais. É saber-se capaz de subir ao mais alto pico apenas para lançar-se das alturas às profundezas, gritando o nome da pessoa amada a plenos pulmões para que ecoe por toda a eternidade. Amar não é viver por, mas é viver com. Estremeço. A musa se volta para mim, lançando gélidas gotas d’água que me retiram de meu transe.

Ela galhofa e eu a amo ainda mais. Então, ao vê-la ali, radiante sob o sol, as roupas e os cabelos ensopados, estremeço novamente, agora abalado pela consciência da imensidão do sentimento que trago no peito. Que seria de mim sem ela, atrevo-me a cogitar. Sucumbiria, sem dúvida; não ante o peso da paixão perdida, mas do amor natural, simples e puro.

As palavras de Vinicius de Moraes em seu Soneto de Fidelidade, que até então me eram totalmente desconhecidas, ressoam em mim: “que não seja imortal, posto que é chama; mas que seja infinito enquanto dure”. A definição mais perfeita do amor, disse-me ela certa vez. Não sei se sou capaz de traduzi-lo tão eloquentemente.

Ora, que me perdoem, mas não creio que ninguém seja capaz! Amor não se define, amor se sente; ele não é lógico, não pode ser capturado em palavras, imagens ou sons. E com todo o respeito a Vinicius de Moraes, mas quero crer que o amor que carrego em mim é sim imortal e durará uma infinidade.

Mesmo que minha racionalidade tola me tenha tentado ludibriar, senti isso no primeiro momento em que a beijei; e em todas as vezes em que a vi sorrir, como agora. Bem ali, do outro lado da rua, eu a vejo resplandecer. Os olhos a brilhar como estrelas vespertinas; mareados pelas águas cristalinas, parecem verter lágrimas de pura felicidade.

Eu me deixo envolver e retribuo com um sorriso. Um sorriso bobo e sem graça, mas verdadeiro, sincero. Sorrio por nada, apenas pela alegria de estar ali, ao lado daquela que me ama… e que sabe ser igualmente amada.

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