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Lero-lero: Uma banana pra sociedade!

Lero-lero

Lero-lero é uma coluna regular cedida ao meu parceiro de letras Diogo Ruan Orta. Gente finíssima e com carta branca para escrever o que desejar, ele compartilhará por aqui crônicas, desabafos, contos e o que mais houver dentro daquele caos enevoado que ele chama de mente. Espero que o leitor se divirta tanto quanto eu lendo e desvendando o quanto dos escritos do Diogo é fato e o quanto é ficção.

O mundo me enoja. Ou será o ser humano? Sim, faz mais sentido: a humanidade me enoja. O Todo-Poderoso (Deus, não Morgan Freeman) cantou essa pedra milênios atrás. Imagino se Ele não estará cogitando um novo dilúvio para breve – sujeira para lavar tem de sobra. Aproveite a estação de chuvas e o descaso de nossos governantes eleitos, ó Divino, e afunde a todos nós nas águas lamacentas de nossas vergonhas.

O racismo é a bola da vez. TV, rádio, sites, redes sociais, todos alardeiam o caso: Villarreal x Barcelona, segundo tempo; o lateral-direito Daniel Alves interrompe a cobrança de escanteio para comer uma banana atirada em campo. “Banana evita câimbra”. Espirituoso. Banido pelo resto da vida, o torcedor babaca assistirá aos jogos do Villarreal pela TV. Que terrível punição.

A comoção é geral: indignação, revolta, solidariedade. É hora de retomar o debate sobre as diferenças raciais, enfrentar o preconceito, gritar, ir para a rua. Parece pouco, não? Isso já foi feito antes, pouca coisa mudou. Talvez o melhor seja bradar em 140 caracteres, publicar selfies nos paraísos de felicidade e engajamento artificiais. E por que não ir além? Esmagar o racismo com aquela hashtag esperta – #somosTodosMacacos soa genial, não soa? –, com o apoio de celebridades que convivem desde sempre com o preconceito.

Banana contra o Preconceito.

Dando uma banana pro preconceito.

Que o apresentador solidário tire algum lucro disso não importa. O que vale é a mensagem, é consertar o que é errado, é o apoio e o engajamento para destruir esse mal do coração dos homens. Sabe de nada, inocente. A questão é fazer um bom negócio, é vender uma imagem. Um pouco de fumaça, espelhos (e aconselhamento publicitário), e presto!, o craque que nunca se admitiu negro tem um surto de cidadania e corre para o front em defesa do companheiro.

Se a jogada é boa, por que há tão poucas fotos (ainda não vi nenhuma, pra ser honesto) de negros posando com bananas? Será que não entenderam essa brilhante ação de marketing? Seria uma pena, afinal, tanta gente do bem se ergueu em defesa de seus direitos. Ainda assim, o valor da iniciativa é bem claro, não é? Quando as chamas do incêndio cívico se apagarem, seria interessante promover um debate igualmente valioso. Até sugiro uma hashtag para a campanha: #somosTodosOportunistas. Não é genial?

Sobre o autor

Diogo Ruan OrtaDiogo Ruan Orta é um leitor fanático. Detesta redes sociais e vive em rigorosa dieta de informação desde que concluiu que há pouquíssima vida inteligente no mundo virtual. Antissocial, acredita ter meia dúzia de amigos verdadeiros – destes, dois vivem sob o mesmo teto que ele. Não tem pretensões de se tornar escritor (no Brasil? Que piada!), mas sente que escrever é seu carma e uma forma saudável de dar vazão aos seus instintos psicopatas.

O efeito nhé – Crônica Convidada

A FIFA anunciou a mascote da Copa do Mundo de 2014. Um evento ainda está sendo programado para oficializar sua apresentação ao grande público e um concurso na internet está acontecendo para definir o seu nome. Nossa mascote? Um tatu-bola.

Olhei bem para a carinha dele hoje de manhã antes de precipitar um julgamento: olhos grandes, em desproporção ao rosto, que exploram bem a artimanha clássica de ilustradores que pretendem conferir inocência e amabilidade ao desenho; sutilmente trabalhado nas cores verde, amarelo, azul e branca, para evidenciar o patriotismo; uma expressão sapeca e uma postura articulada.

Contudo, minha inevitável primeira impressão não foi inspiradora. Um misto de desapontamento e conformação foi traduzido em um bico e um resmungo: “Nhé”. Por que o cândido tatuzinho não me inspirou? Por que não vi nada além de mediocridade em seus redondos e infantis olhos verdes? Em busca de acalento, li os comentários em alguns portais onde a notícia havia sido publicada.

Os comentários simpáticos como “as crianças vão adorar”, “até que ele é bonitinho” e “seria pior se fosse um macaco”, estão afogados em um mar de críticas que foram além do “nhé” e que beiraram o nojo e a repulsa. Separei alguns dos mais inflamados:

  • Ridículo. Me lembrou um Avatar;
  • Parece que foi um aluno da turma iniciante de Design da Microlins quem fez;
  • Maurício de Souza, socorro;
  • Tem cara de tartaruga;
  • É pior que a logo da Copa;
  • Será isso um Clipart do Word 97?
  • Perfeito! Escolheram um bicho que se enterra em um buraco, come carniça e que vive com a bola nas mãos. Podia chamar Mensalinho;
  • Uma mascote feia é o menor de nossos problemas! Ainda faltam 12 estádios, 1 seleção, 1 técnico, 30 hotéis, 14 aeroportos, 120.000 km de rodovias, 2.000 km de metrô, 6 trens-bala, 115 favelas pacificadas, 33.000 soldados preparados, 2000 restaurantes e 150.000 motoristas de taxi falando inglês;

Por mais que a clemência ao gênio Maurício de Souza tenha feito sentido para mim, assumi a obrigação de defender o bicho. Nossa mascote não é visualmente pior que o ursinho Misha, símbolo das Olimpíadas de Moscou, em 1980. Até hoje ele é a mascote mais amada e lembrada dos jogos, tanto que eu, nascida em 1990, conheço a cena do mosaico choroso na festa de encerramento.

No entanto, não foi a fofura de Misha, ou técnica impecável de seu autor que o imortalizou no imaginário global, mas o orgulho russo em ostentar o ursinho. Na contramão da lógica, o costume nacional é desvalorizar o produto interno e minar todas as suas potencialidades. Se nós não gostamos de nosso trabalho, por que outros haveriam de gostar? Ao criticar o Brasil, o mundo segue a tendência que nós mesmos começamos.

Nosso tatu-bola só é inexpressivo, pois nenhum valor foi agregado a ele ainda. Outros símbolos, hoje ícones mundiais, um dia também não tiveram valor. Aposto que já acharam o símbolo da Nike imbecil , pouco menos expressivo que um acento ortográfico. Precisamos entender que o desenho, por si só, não será motivo de inspiração. A inspiração está no que ele significa e representa: o nosso país, o nosso povo e a nossa pentelhice.

Sobre a autora

Lorena Otero é jornalista e trabalha em uma agência de comunicação. Fora os textos do trabalho, há um ano que só lê o Escriba, revistas e os livros do George Martin. Fica feliz na época de horário político e detesta verduras e insetos.

Já escreveu um livro infantil de quatro páginas quando tinha sete anos e acreditou quando a professora disse que ela tinha jeito com as palavras. Deviam prestar mais atenção nos profissionais de educação deste país.

Para saber mais:

  1. Coluna de Lauro Jardim na Veja: artigo que anuncia a mascote da Copa de 2014 e inspirou a cronista Lorena Otero.
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