Tag: Diogo Ruan Orta

Lero-lero: McDia infeliz

Lero-lero

Lero-lero é uma coluna regular cedida ao meu parceiro de letras Diogo Ruan Orta. Gente finíssima e com carta branca para escrever o que desejar, ele compartilhará por aqui crônicas, desabafos, contos e o que mais houver dentro daquele caos enevoado que ele chama de mente. Espero que o leitor se divirta tanto quanto eu lendo e desvendando o quanto dos escritos do Diogo é fato e o quanto é ficção.

O andrógeno abriu a porta e mal me encarou. Tinha no rosto a perfeita expressão do tédio. “Bem-vindo, senhor”, disse num muxoxo. Senti que não se importava se eu o havia escutado ou não. Largado perto de uma caixa registradora, outro moleque, metido no mesmo pavoroso uniforme cinza. Da meia dúzia de condenados do lugar, este se destacava pelos cabelos rentes, estilo milico, e pelos olhos roxos que me intimavam a comprar algo.

Seguiu-se o roteiro à risca: “boa tarde, qual o seu pedido?”. Uma promoção, por favor. “Qual bebida?”. Suco. De laranja. “Aumenta a batata por um real?” Não, não. “Acompanha sundae e leva um copo da Copa?”. Opa! Quem mudou o roteiro? Não era assim que eu me lembrava. Copo da Copa? Sério? Esse povo já foi mais bem treinado. Não vai ter Copa nem vai ter copo.

Forma de pagamento, preço, passa no crédito, a senha, “aguarda ao lado, por gentileza.”. Os olhos fundos dizem mais: “fique onde quiser, nem ligo. Odeio minha vida.”. Do balcão entre mundos fitei os bonecos cinzentos agitando-se pra lá e pra cá. Espinhas pipocavam das peles oleosas, roupas de sobra sobre braços e pernas esqueléticas, corpos amorfos. Desprovidos de vontade e vida, como autômatos frios. Nunca sorriam, exceto nas fotos de funcionários do mês – três. Não deveria haver apenas um?

Lanchonete Fast FoodDe pedido na mão, entoquei-me perto da vidraça. No parquinho colorido do outro lado uma mãe chamava pelas crianças, mas escadas, tubos e escorregas são sempre mais atraentes do que um lanchinho. Música. De alto-falantes ecoavam os sons da rádio que embala as suas refeições. Tocava quando entrei? Entregues ao ritmo, meus pés sapateavam sobre perguntas (e problemas) irrelevantes.

Eu mastigava e corria os olhos pelas paredes repletas da caixinha cartunesca. Travestida de herói, tinha o sorrisão e os olhões mais vivos que os dos escravos sem alma além do balcão. E então as lembranças me tomaram de assalto: outra época, mesmo lugar, uniformes diferentes, sentimentos semelhantes. De relance, refletido na vidraça, notei o reflexo do passado com sua face sardenta, pele engordurada, cabelos desgrenhados, e dentes aprisionados. Olhos fundos.

Transportado de volta ao agora por um calafrio e uma bufada, espantei-me com a multidão que enchia o lugar. De onde vieram? Quando? Droga, molho na minha calça. Limpo enquanto brinco de distinguir e rotular: mochila nas costas? Universitários. Terno e gravata? Empresário. Shortinho, piercing, camisa de marca? Patricinhas, boyzinhos. Loira superficial. Mulata sensual. Ruiva misteriosa. Pai divorciado passeando com a filha. Aquele ali já deve ser avô.

O andrógeno depressivo recebia e despedia, sem nunca olhar nos olhos, um fone enfiado em uma das orelhas. E o ciclo se repetia. Balcão, pedido, preço, pagamento, lanche, mesa, rua. Ah, a rotina, essa merda. Todos tão metidos em suas mesquinharias, sempre. Eu também, mas não naquele dia. Por quê? O que me tinha arrancado do marasmo de todo dia? Acho que eu sabia bem o quê… Então o toque do celular me despertou para a realidade. De volta ao trabalho. Restos no lixo, bandeja devolvida e fui pela porta afora. Antes de sair, ouvi o sopro distraído: “volte sempre”.

Lero-lero: “A Morte do Demônio” nem é tão apavorante…

Lero-lero

Lero-lero é uma coluna regular cedida ao meu parceiro de letras Diogo Ruan Orta. Gente finíssima e com carta branca para escrever o que desejar, ele compartilhará por aqui crônicas, desabafos, contos e o que mais houver dentro daquele caos enevoado que ele chama de mente. Espero que o leitor se divirta tanto quanto eu lendo e desvendando o quanto dos escritos do Diogo é fato e o quanto é ficção.

Atenção: este artigo contém revelações do enredo (spoilers) de filmes da franquia A Morte do Demônio.

Encontrei um tempinho para assistir a A Morte do Demônio, refilmagem do clássico cult da década de 80. Nunca ouviu falar? Ou você é muito mirim ou muito alienígena ou apenas não é tão chegado assim em filmes – de qualquer forma, o texto de hoje não vai te interessar, então é melhor ir fazer outra coisa; vai lá, de boa, sem estresse.

Ash no original "A Morte do Demônio"

“Como assim eu não estou no remake?”

Ainda aqui? Você curte a canastrice de Bruce Campbell? E os trabalhos de Sam Raimi? Você também acha os filmes originais do Aranha melhores do que essa nova palhaçada caça-níqueis da Sony? Ok, fugi do assunto. De qualquer modo, é provável que, como eu, você não tenha gostado muito deste remake. Em boa medida, o filme cumpre o que promete: terror e violência a rodo. Mas isso não bastou para este fã aqui.

O começo tem aquela pegada de mistério e terror que nos faz esperar uma experiência foda que, infelizmente, nunca ocorre. É um filme assustador? Pode crer. Só que não é aquele medo que sentimos ao ver os demônios zoando com Ash e sua turma no primeiro filme, antes da franquia degringolar para o gênero terrir.

Este A Morte do Demônio está mais para Jogos Mortais do que para Arrasta-me para o Inferno, do próprio Raimi – um filme muito superior, diga-se. Não há aqui o equilíbrio entre o gore e a fragilidade (e incapacidade) humana diante do sobrenatural que eu sentia no original. Pelo menos não excluíram o livro maldito, a perversão, as possessões, a mão infectada, a serra elétrica, o babaca que brinca com o que não deve, o demônio indefinido caçando pela floresta, o herói cansado de fugir juntando suas ferramentas e partindo pra guerra.

Carro de Ash aparece em cena.

Não, amiguinhos, este não é o carro que vocês estão pensando… não exatamente.

Dizem que o filme é uma continuação só porque, logo no começo, há uma cena que mostra o carro usado por Ash e seus amigos. Papo furado. A razão é simples: o segundo filme da série acaba com um vórtice temporal sugando carro, cabana, livro e Ash de volta no tempo, lembra? Desconsiderar as continuações clássicas é um sacrilégio.

Prefiro ver este A Morte do Demônio como um filme diferente, um remake meia boca. Só assim para eu engolir os exorcismos (no original, uma vez possuído, já era, e aí estava o verdadeiro terror) e a cura mágica dos ferimentos de Mia depois da possessão (a língua dela não deveria estar bifurcada?); ah, e o nome do livro (sei que no primeiro filme ele também é chamado Naturom Demonto, mas sempre achei Necronomicon Ex Mortis melhor, diabos!).

Livro Naturom Demonto

Sem dúvida é mais prático escrever um aviso no livro maldito do que apenas enterrá-lo bem fundo.

E ainda tem uma enfermeira que acha normal alguém em choque vomitar uma quantidade absurda de sangue; e o tal David, que continua de pé depois de ter peito e olhos perfurados por uma seringa, mão rasgada (e cabeça amassada três vezes) por aquele cacete de pé-de-cabra, e braços perfurados por pregos – ele é parente do Wolverine?!

Pra que aquela balela de coletar cinco almas para trazer à vida o demônio malvadão? Por que esse tal demônio é um cosplay da Samara quando a própria Mia possuída é mais assustadora? Por que o demônio ressurreto é tão burro e incompetente? Por que a garotinha possuída e o livro estavam na cabana logo no inicio do filme, se o lugar pertencia aos pais de Mia? E por que, POR QUE os caipiras não enterraram a porra do livro?

Agora o que matou o filme pra mim foi o final tosco, covarde e desleal à franquia, que nunca acaba com o protagonista vitorioso. Talvez se tivessem incluído a tal cena onde uma Mia ainda possuída é abordada na estrada por um caminhoneiro de rosto familiar eu tivesse ficado mais satisfeito.

Mia dando cabo do demônio com estilo.

Olha aí o demônio malvadão sendo morto por uma motosserra!

Sobre o autor

Diogo Ruan OrtaDiogo Ruan Orta é um leitor fanático. Detesta redes sociais e vive em rigorosa dieta de informação desde que concluiu que há pouquíssima vida inteligente no mundo virtual. Antissocial, acredita ter meia dúzia de amigos verdadeiros – destes, dois vivem sob o mesmo teto que ele. Não tem pretensões de se tornar escritor (no Brasil? Que piada!), mas sente que escrever é seu carma e uma forma saudável de dar vazão aos seus instintos psicopatas.

Lero-lero: Só mais uma noite perdida

Lero-lero

Lero-lero é uma coluna regular cedida ao meu parceiro de letras Diogo Ruan Orta. Gente finíssima e com carta branca para escrever o que desejar, ele compartilhará por aqui crônicas, desabafos, contos e o que mais houver dentro daquele caos enevoado que ele chama de mente. Espero que o leitor se divirta tanto quanto eu lendo e desvendando o quanto dos escritos do Diogo é fato e o quanto é ficção.

No balcão do bar, Muhammad Ali me mediu com olhos duros. Um instante depois, ele bufou, cheio de marra. Devia achar que o franzino aqui não era ameaça. Nem liguei. Só queria saber das curvas da candidata a Globeleza ao lado dele. Era uma noite fria, mas a morena estava à vontade no vestido – ou seria uma blusa? Até o Papa babaria diante da mulher: cachos escuros caídos sobre ombros nus, pelinhos amarelos pelas coxas adentro, perfume alucinante fluindo da pele lustrosa.

Um toró de braço espremeu a cinturinha dela e dedos tamborilaram no alto das nádegas. O brutamonte se esbaldava. A inveja doeu no estomago (ou seria fome?). Daí eu escutei aquelas vozes e quase explodi de ri. É, meu povo, que outros estragos essas bombas andaram fazendo? Que Ali soasse como uma soprano não incomodava a Globeleza – na verdade, de tão rouca, ela agora mais lembrava uma panicat.

Eu quis me sentar longe do casal de matracas, mas o lugar ainda estava lotado. Já que ia esperar mais, por que não molhar a garganta? Do lado de lá do balcão, uma branquela beiçuda lavava algo na pia e me ignorava. Dirigi o apelo sedento a um rapaz de avental que vi correndo até o freezer. Já vou, me respondeu com a cabeça. Equilibrando seis latas de Skol, ele voltou a toda pela portinhola perto do caixa e apanhou uma cadernetinha preta. Antes de sumir lá nos fundos do bar, ainda assentiu para outras três mesas.

Olho EsmeraldaTremenda putaria colocar três pessoas para atender, o quê, três dúzias de pessoas? Pior, em uma sexta-feira! Ou seriam apenas duas, já que o caixa parecia abandonado? Que sacanagem despencar lá da capital pra implorar bebida no tal novo point do qual todo mundo tem falado. Cidade pequena tem dessas merdas. Ao invés de aproveitar o sucesso pra investir na melhoria do lugar, o que o dono faz? O muquirana corta custos, aumenta preços. Quem não gostar que fique em casa ou vá à quermesse da igreja.

Foda-se. Passo bem sem esse lugar, obrigado. Talvez ainda dê pra encontrar a turma e ver as pervas dançando alucinadas. Vai querer o quê, amigo?, era o equilibrista frenético ao resgate, mais veloz do que o Papa-Léguas. Opa-opa, gorjeta indo embora. Bip-bip. Vai querer o quê, amigo? Eu já ia dispensá-lo com uma torra, mas tive uma visão que me fez desistir. Uma Coca-Cola; gelo e limão, pedi – a garganta queria álcool, mas eu tinha uma longa estrada de volta pra pegar. Indiquei um lugar perto da fachada e, sem dar mais atenção ao rapaz, fui atraído por aquelas joias.

O pedido não demorou – ou talvez tenha demorado, não sei bem. Mergulhado no mar verde daqueles olhos eu tinha perdido toda a noção do tempo. A garota que eu contemplava perdia feio para a Globeleza madura e sinuosa de Ali; tinha cabelos chamativos, mas tão dourados e lisos que não poderiam ser naturais; a maquiagem de gueixa era uma máscara. Ela não era feia, só estava pouco abaixo dos meus padrões. Ainda assim, não resisti às esmeraldas que faiscavam em seu rosto.

Meu fascínio incontido foi notado com satisfação. Sei reconhecer as sutilezas femininas nos gestos, olhares, respiração; tive mulheres o bastante para isso. Ela gostou de algo em mim, o que me surpreendeu. Uma maré péssima tem me carregado nos últimos tempos; eu chego a duvidar de que terei outra mulher tão cedo. Sim, ainda, pois naquela noite hesitei. Por que não tomei uma atitude? Por que me contentei em admirar aqueles olhos à distância até que eles saíssem da minha vida da mesma forma que entraram? Não faço ideia.

Enquanto escrevo sobre aquela noite perdida – apenas mais uma entre tantas em minha vida – tento encontrar respostas convincentes. Mas de duas coisas tenho certeza: lamento minha hesitação (desdém? covardia?) e torço por outra chance com a garota de olhos sobrenaturais. Talvez assim eles parem de me atormentar todas as noites em meus sonhos.

Sobre o autor

Diogo Ruan OrtaDiogo Ruan Orta é um leitor fanático. Detesta redes sociais e vive em rigorosa dieta de informação desde que concluiu que há pouquíssima vida inteligente no mundo virtual. Antissocial, acredita ter meia dúzia de amigos verdadeiros – destes, dois vivem sob o mesmo teto que ele. Não tem pretensões de se tornar escritor (no Brasil? Que piada!), mas sente que escrever é seu carma e uma forma saudável de dar vazão aos seus instintos psicopatas.

Lero-lero: Uma banana pra sociedade!

Lero-lero

Lero-lero é uma coluna regular cedida ao meu parceiro de letras Diogo Ruan Orta. Gente finíssima e com carta branca para escrever o que desejar, ele compartilhará por aqui crônicas, desabafos, contos e o que mais houver dentro daquele caos enevoado que ele chama de mente. Espero que o leitor se divirta tanto quanto eu lendo e desvendando o quanto dos escritos do Diogo é fato e o quanto é ficção.

O mundo me enoja. Ou será o ser humano? Sim, faz mais sentido: a humanidade me enoja. O Todo-Poderoso (Deus, não Morgan Freeman) cantou essa pedra milênios atrás. Imagino se Ele não estará cogitando um novo dilúvio para breve – sujeira para lavar tem de sobra. Aproveite a estação de chuvas e o descaso de nossos governantes eleitos, ó Divino, e afunde a todos nós nas águas lamacentas de nossas vergonhas.

O racismo é a bola da vez. TV, rádio, sites, redes sociais, todos alardeiam o caso: Villarreal x Barcelona, segundo tempo; o lateral-direito Daniel Alves interrompe a cobrança de escanteio para comer uma banana atirada em campo. “Banana evita câimbra”. Espirituoso. Banido pelo resto da vida, o torcedor babaca assistirá aos jogos do Villarreal pela TV. Que terrível punição.

A comoção é geral: indignação, revolta, solidariedade. É hora de retomar o debate sobre as diferenças raciais, enfrentar o preconceito, gritar, ir para a rua. Parece pouco, não? Isso já foi feito antes, pouca coisa mudou. Talvez o melhor seja bradar em 140 caracteres, publicar selfies nos paraísos de felicidade e engajamento artificiais. E por que não ir além? Esmagar o racismo com aquela hashtag esperta – #somosTodosMacacos soa genial, não soa? –, com o apoio de celebridades que convivem desde sempre com o preconceito.

Banana contra o Preconceito.

Dando uma banana pro preconceito.

Que o apresentador solidário tire algum lucro disso não importa. O que vale é a mensagem, é consertar o que é errado, é o apoio e o engajamento para destruir esse mal do coração dos homens. Sabe de nada, inocente. A questão é fazer um bom negócio, é vender uma imagem. Um pouco de fumaça, espelhos (e aconselhamento publicitário), e presto!, o craque que nunca se admitiu negro tem um surto de cidadania e corre para o front em defesa do companheiro.

Se a jogada é boa, por que há tão poucas fotos (ainda não vi nenhuma, pra ser honesto) de negros posando com bananas? Será que não entenderam essa brilhante ação de marketing? Seria uma pena, afinal, tanta gente do bem se ergueu em defesa de seus direitos. Ainda assim, o valor da iniciativa é bem claro, não é? Quando as chamas do incêndio cívico se apagarem, seria interessante promover um debate igualmente valioso. Até sugiro uma hashtag para a campanha: #somosTodosOportunistas. Não é genial?

Sobre o autor

Diogo Ruan OrtaDiogo Ruan Orta é um leitor fanático. Detesta redes sociais e vive em rigorosa dieta de informação desde que concluiu que há pouquíssima vida inteligente no mundo virtual. Antissocial, acredita ter meia dúzia de amigos verdadeiros – destes, dois vivem sob o mesmo teto que ele. Não tem pretensões de se tornar escritor (no Brasil? Que piada!), mas sente que escrever é seu carma e uma forma saudável de dar vazão aos seus instintos psicopatas.

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