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Lero-lero: “A Morte do Demônio” nem é tão apavorante…

Lero-lero

Lero-lero é uma coluna regular cedida ao meu parceiro de letras Diogo Ruan Orta. Gente finíssima e com carta branca para escrever o que desejar, ele compartilhará por aqui crônicas, desabafos, contos e o que mais houver dentro daquele caos enevoado que ele chama de mente. Espero que o leitor se divirta tanto quanto eu lendo e desvendando o quanto dos escritos do Diogo é fato e o quanto é ficção.

Atenção: este artigo contém revelações do enredo (spoilers) de filmes da franquia A Morte do Demônio.

Encontrei um tempinho para assistir a A Morte do Demônio, refilmagem do clássico cult da década de 80. Nunca ouviu falar? Ou você é muito mirim ou muito alienígena ou apenas não é tão chegado assim em filmes – de qualquer forma, o texto de hoje não vai te interessar, então é melhor ir fazer outra coisa; vai lá, de boa, sem estresse.

Ash no original "A Morte do Demônio"

“Como assim eu não estou no remake?”

Ainda aqui? Você curte a canastrice de Bruce Campbell? E os trabalhos de Sam Raimi? Você também acha os filmes originais do Aranha melhores do que essa nova palhaçada caça-níqueis da Sony? Ok, fugi do assunto. De qualquer modo, é provável que, como eu, você não tenha gostado muito deste remake. Em boa medida, o filme cumpre o que promete: terror e violência a rodo. Mas isso não bastou para este fã aqui.

O começo tem aquela pegada de mistério e terror que nos faz esperar uma experiência foda que, infelizmente, nunca ocorre. É um filme assustador? Pode crer. Só que não é aquele medo que sentimos ao ver os demônios zoando com Ash e sua turma no primeiro filme, antes da franquia degringolar para o gênero terrir.

Este A Morte do Demônio está mais para Jogos Mortais do que para Arrasta-me para o Inferno, do próprio Raimi – um filme muito superior, diga-se. Não há aqui o equilíbrio entre o gore e a fragilidade (e incapacidade) humana diante do sobrenatural que eu sentia no original. Pelo menos não excluíram o livro maldito, a perversão, as possessões, a mão infectada, a serra elétrica, o babaca que brinca com o que não deve, o demônio indefinido caçando pela floresta, o herói cansado de fugir juntando suas ferramentas e partindo pra guerra.

Carro de Ash aparece em cena.

Não, amiguinhos, este não é o carro que vocês estão pensando… não exatamente.

Dizem que o filme é uma continuação só porque, logo no começo, há uma cena que mostra o carro usado por Ash e seus amigos. Papo furado. A razão é simples: o segundo filme da série acaba com um vórtice temporal sugando carro, cabana, livro e Ash de volta no tempo, lembra? Desconsiderar as continuações clássicas é um sacrilégio.

Prefiro ver este A Morte do Demônio como um filme diferente, um remake meia boca. Só assim para eu engolir os exorcismos (no original, uma vez possuído, já era, e aí estava o verdadeiro terror) e a cura mágica dos ferimentos de Mia depois da possessão (a língua dela não deveria estar bifurcada?); ah, e o nome do livro (sei que no primeiro filme ele também é chamado Naturom Demonto, mas sempre achei Necronomicon Ex Mortis melhor, diabos!).

Livro Naturom Demonto

Sem dúvida é mais prático escrever um aviso no livro maldito do que apenas enterrá-lo bem fundo.

E ainda tem uma enfermeira que acha normal alguém em choque vomitar uma quantidade absurda de sangue; e o tal David, que continua de pé depois de ter peito e olhos perfurados por uma seringa, mão rasgada (e cabeça amassada três vezes) por aquele cacete de pé-de-cabra, e braços perfurados por pregos – ele é parente do Wolverine?!

Pra que aquela balela de coletar cinco almas para trazer à vida o demônio malvadão? Por que esse tal demônio é um cosplay da Samara quando a própria Mia possuída é mais assustadora? Por que o demônio ressurreto é tão burro e incompetente? Por que a garotinha possuída e o livro estavam na cabana logo no inicio do filme, se o lugar pertencia aos pais de Mia? E por que, POR QUE os caipiras não enterraram a porra do livro?

Agora o que matou o filme pra mim foi o final tosco, covarde e desleal à franquia, que nunca acaba com o protagonista vitorioso. Talvez se tivessem incluído a tal cena onde uma Mia ainda possuída é abordada na estrada por um caminhoneiro de rosto familiar eu tivesse ficado mais satisfeito.

Mia dando cabo do demônio com estilo.

Olha aí o demônio malvadão sendo morto por uma motosserra!

Sobre o autor

Diogo Ruan OrtaDiogo Ruan Orta é um leitor fanático. Detesta redes sociais e vive em rigorosa dieta de informação desde que concluiu que há pouquíssima vida inteligente no mundo virtual. Antissocial, acredita ter meia dúzia de amigos verdadeiros – destes, dois vivem sob o mesmo teto que ele. Não tem pretensões de se tornar escritor (no Brasil? Que piada!), mas sente que escrever é seu carma e uma forma saudável de dar vazão aos seus instintos psicopatas.

Filmes de Escritor

Como o próprio nome entrega, a série “Lista 5” traz textos que enumeraram cinco recomendações minhas, não apenas de livros, mas também de filmes, jogos e o que mais me der na telha. As listas serão construídas, principalmente, segundo critérios pessoais, logo não são absolutas.

Sou um grande fã de filmes. Normalmente não me importo muito com o gênero, os atores, ou a nacionalidade: se houver a promessa de uma boa história, arrisco-me a assistir – é uma pena que nem sempre a realidade corresponda à expectativa.

Percebi que tenho assistido muitos filmes sobre personagens escritores ultimamente. Talvez seja um reflexo de meus atuais interesses; talvez, inconscientemente, eu esteja tentando tirar lições deles – vai saber o que se passa em minha mente inquieta.

Os cinco filmes abaixo são alguns que assisti recentemente e que recomendo tanto aos fãs de filmes quanto àqueles que buscam mais inspiração para suas vidas de escritores.

1

As Palavras (The Words, 2012): Rory Jansen (Bradley Cooper) é um escritor iniciante que luta para ser publicado. Um dia ele encontra um maço de folhas amareladas num antiquário. Fascinado pela história que elas contam, ele a transcreve e apresenta como sendo um de seus romances. O livro é um sucesso instantâneo e abre portas para o escritor. Mas tudo pode mudar quando um senhor (Jeremy Irons) procura Rory para lhe falar sobre a origem daquela história.

Contando ainda com Zoë Saldana, Dennis Quaid, Olivia Wilde e J.K Simmons no elenco, o filme se propõe a contar histórias dentro de histórias, o que é interessante e nos leva a questionar o que nelas é verdade e o que é somente ficção.

Os atores estão ótimos – até Bradley Cooper me convenceu desta vez. Minha única ressalva é quanto à personagem de Wilde, talvez por eu esperar que ela fosse mais do que aparenta.

2

Armadilha Mortal (Deathtrap, 1982): Sidney Bruhl (Michael Caine) é um escritor de peças da Broadway que está enfrentando uma crise; seus últimos trabalhos foram fracassos de crítica e bilheteria. Quando topa com um manuscrito único que pode restaurar seu prestígio e salvá-lo da ruína, Bruhl não hesita em tramar a morte de seu autor, o inexperiente Clifford Anderson (Christopher Reeve).

O filme é uma adaptação da peça homônima produzida por Ira Levin em 1978. Trata-se de uma comédia divertidíssima, com toques de humor negro e muitas reviravoltas.

Cane e Reeve estão simplesmente impecáveis. Por outro lado, os excessos das atrizes Dyan Cannon e Irena Worth irritam – elas interpretam, respectivamente, a mulher de Bruhl e uma vidente.

3

Ruby Sparks: A Namorada Perfeita (Ruby Sparks, 2012): Calvin (Paul Dano) é um romancista jovem, bem sucedido e solitário que está sofrendo de bloqueio criativo. Insatisfeito com sua vida, ele busca o auxílio de um psicólogo que recomenda um modo inusitado de lidar com seus problemas: escrever sobre uma mulher que se apaixonaria por ele. Calvin o faz com tamanha dedicação que essa personagem fictícia acaba ganhando vida.

Comédia romântica bonitinha que se destaca por bons momentos dramáticos e que instigam à reflexão. O ponto alto do enredo é, sem dúvida, o momento em que Ruby é confrontada com a verdade sobre sua origem.

Os atores estão bons – demorei a reconhecer Antônio Bandeiras como o padrasto hippie de Calvin. O filme perde um pouco o ritmo no segundo ato, mas ainda assim é uma boa pedida.

4

Escritores da Liberdade (Freedom Writers, 2007): Gruwell (Hilary Swank) é uma professora recém-formada que se oferece para lecionar numa comunidade carente assolada por conflitos étnicos. Utilizando métodos pouco convencionais, ela tenta ensinar valores como tolerância e respeito a um grupo de jovens rebeldes.

Parece familiar? A premissa do filme é semelhante à de outros como Meu Mestre, Minha Vida (Lean on me, 1989) e Mentes Perigosas (Dangerous Minds, 1995) e, como estes, é inspirada em fatos reais.

O inicio é lento e monótono, mas o ritmo melhora do meio para o final, quando é dado maior foco aos dramas dos alunos. São as histórias que eles escrevem em seus cadernos o grande diferencial deste filme, que demonstra o poder libertador e transformador da literatura.

Os relatos verídicos dos alunos foram reunidos no livro The Freedom Writers Diary, publicado em 1999.

5

Mistérios e Paixões (Naked Lunch, 1991): Bill Lee (Peter Weller) é um aspirante a escritor que vive na Nova York de 1953. Trabalhando como desinsetizador para sustentar a si e à esposa Joan (Judy Davis), Bill está prestes a ser demitido por esgotar seu estoque de inseticida com frequência. Descobrindo que a culpa é de sua esposa, que tem consumido a substância, ele se deixa convencer por ela a compartilhar do barato que o pó provoca.

Inspirado em Almoço Nú, romance autobiográfico do americano William S. Burroughs, este filme é esquisitíssimo. Minha impressão ao final é de que precisaria revê-lo outras vezes para compreendê-lo totalmente.

Destaque para uma cena logo no início onde os personagens discutem sobre reescrita: para eles, o ato é uma traição pessoal do escritor, já que a primeira versão de um trabalho traz a honestidade de sua voz e a reescrita representa a hipocrisia e o medo de soar verdadeiro.

Para saber mais:

  1. Lista 5 – Livros que ensinam a escrever: cinco recomendações para os aprendizes de escritor.
  2. 5 livros promissores de autores nacionais: a primeira lista que publiquei por aqui à época da campanha de incentivo à leitura promovida por Ademir Pascale.
  3. +5 livros de autores nacionais: outra lista com recomendações de leituras de colegas escritores. Vale conferir.

Filme Comentado: A Viagem – Cloud Atlas (Pt.2)

Saiba antes de ler: esta é a segunda parte do texto sobre o filme A Viagem. Para melhor apreciá-lo é essencial a leitura da primeira parte, que pode ser conferida aqui.

Meu desencanto com o filme foi motivado, principalmente, pela comparação entre as obras. Não me entendam mal, afinal, eu gostei do filme. Mas ele não correspondeu exatamente às minhas expectativas; queria ser surpreendido, ver algo que mal consigo definir; eu esperava mais. Quando deixei o cinema, ainda estava incerto sobre o que havia compreendido do filme. Pensei que talvez não tivesse sido capaz de assimilar algo secreto, significados ocultos, um apelo humano.

Talvez desejasse perceber conexões mais fortes entre as histórias do que um simples livro que é lido ou um filme que é visto séculos depois. Não acho que a influência desses pequenos legados tenha sido bem trabalhada pelos Wachowski, pois o elo parece sutil, tênue demais na maioria dos casos.

Por exemplo: o filme sobre a vida do editor Cavendish, assistido no futuro pelo clone Sonmi-451, tem impacto marcante em sua história; por outro lado, o manuscrito do romance sobre a vida da jornalista Luisa Rey não afeta em nada os eventos que envolvem Cavendish e suas atribulações no asilo. Da mesma forma, qual é o valor do diário de Adam Ewing para a curta vida do músico Robert Frobisher?

Sobre a história deste, houve ainda algo intrigante e com potencial ignorado pelos roteiristas: como explicar que o compositor Vyvyan Ayrs tenha sonhado com um lugar cuja descrição é bem semelhante ao da lanchonete onde trabalha, no futuro, o clone Sonmi-451?

Resta-me supor que tratam-se de falhas da adaptação. Talvez no livro tais ligações sejam mais palpáveis, pois no filme, a maioria parece limitada à mera presença. Somos tomados pela agradável sensação de reconhecimento – ó, ele está lendo o diário do advogado da primeira história –, mas não é possível extrair mais nada dessas relações.

Ei, aquele é o Tom Hanks reencarnado?

A questão da reencarnação também empalideceu. O troca-troca de atores nos papéis me levou a imaginar que todos os protagonistas e antagonistas recorriam nas diferentes linhas do tempo, o que não ocorre. Como no livro, só os portadores da marca de nascença em forma de cometa representam uma mesmo alma reencarnada.

Pode-se interpretar que o espectador acompanha a trajetória (ou a viagem. Sacaram? Hein, hein?) desse espírito através das eras – um ponto de vista que torna o filme simplista demais. Por outro lado, como demonstrado no infográfico abaixo, é interessante constatar que este ser se encaixa em diversos arquétipos nas diferentes épocas, o que pode representar uma espécie de evolução natural.

Clique na imagem para ver maiores detalhes (o carregamento pode demorar um pouco).

Assim, além deste espírito reencarnado, o que reincide no filme são situações e arquétipos. O vilão da história de Luisa Rey não é o vilão da história de Timothy Cavendish reencarnado, é apenas o mesmo ator representando a reincidência daquele arquétipo.

Embora ocasione tal confusão, a alternância de atores tem um lado positivo, pois gera uma sensação de familiaridade com os personagens, como se o espectador os conhecesse de outras vidas. Isso também o permite identificar-se com o protagonista-mor (a alma reencarnada) em suas experiências.

À luz dessas considerações, a recorrência do amor surge forçada e inverossímil em algumas histórias. Por que o doutor Isaac Sachs se apaixona magicamente por Luisa Rey como se seu sentimento fosse um legado de vidas passadas quando isso nunca fica claro? E como explicar o fato de que ela não parece corresponder a tal paixão?

Afinal, vale a pena assistir ou não?

O filme é uma experiência muito mais interessante quando se foca o portador da marca em forma de cometa. Isso é especialmente verdadeiro na história da jornalista Rey: ela reencontra o homem que amou, emociona-se com as cartas que escreveu, e escuta a música que compôs em sua encarnação anterior.

A Viagem é um filme ambicioso por ousar contar uma, ou melhor, seis histórias de modo tão pouco convencional. Neste quesito, não creio que os Wachowski tenham falhado. Contudo, ao tomar conhecimento da fonte e das diferenças entre esta e a adaptação, toda a produção parece se reduzir a um simples exercício de estilo.

Dois adendos: primeiro, a chance de ver Tom Hanks como um escritor psicótico e Hugo Weaving (o eterno agente Smith) travestido de enfermeira compensa qualquer deficiência do longa; segundo, imagino se os críticos não menosprezaram tanto o filme só para se utilizarem da piada pronta proporcionada pelo título aberrante da versão nacional.

Há muito mais a ser dito sobre Cloud Atlas (o livro). Para os curiosos recomendo uma conferida nos links abaixo.

Para saber mais:

  1. Cloud Atlas Wiki: site colaborativo que objetiva ser a maior fonte de referência sobre o livro de Mitchell e o filme dos Wachowski (em inglês).
  2. Análise de Cloud Atlas: o autor deste blog escreveu uma série de posts onde esmiuça diversos aspectos da obra e de cada uma de suas histórias (em inglês).
  3. Diferenças entre as histórias do livro e do filme: artigo excelente traçando paralelos entre as histórias de ambas as obras (em inglês).
  4. David Mitchell sobre A Viagem: o escritor de Cloud Atlas comenta sobre a adaptação cinematográfica de sua obra no The Wall Street Journal (em inglês).
  5. Jogo da Adivinhação: no site da revista Veja há um jogo (bem bobinho) inspirado no filme; o objetivo é relacionar atores e personagens.

Filme Comentado: A Viagem – Cloud Atlas (Pt.1)

Saiba antes de ler: este post ficou tão grande que foi dividido em duas partes complementares. Talvez o leitor não tenha paciência para ler tudo, mas eu precisava escrever sobre esse filme.

“Passado. Presente. Futuro. Tudo está conectado.” Esta é a instigante premissa de A Viagem, a nova produção dos irmãos Wachowski (Matrix) que estreou recentemente nos cinemas. Na expectativa de uma experiência, no mínimo, surpreendente, fui conferi-la na semana passada.

Ainda que a história não tenha sido exatamente a que eu tinha em mente, não me desapontei ao término de suas quase três horas. A decepção veio no dia seguinte.

Deixei o cinema sem saber exatamente o que pensar. Decidido a tentar decifrar o filme, topei com o livro que o inspirou e foi aí que perdi muito do meu fascínio. Antes de expor as razões de meu desencantamento, porém, quero compartilhar considerações sobre ambas as obras.

Atenção: adiante há revelações sobre os enredos (spoilers).

Sobre o livro

Escrito pelo britânico David Mitchell e publicado em 2004, Cloud Atlas (Atlas de Nuvens, em tradução livre) apresenta seis contos que conduzem o leitor desde o Pacífico Sul do século dezenove até um futuro pós-apocalíptico longínquo. A obra é um quebra-cabeça. Primeiro, o autor inicia e interrompe cada um de cinco contos antes de sua conclusão. O sexto conto é o único narrado do princípio ao fim, quando, então, os seus antecessores são retomados em ordem cronológica reversa.

A grande sacada de Mitchell é encerrar cada conto com o protagonista lendo ou observando a história cronologicamente anterior a sua, o que estabelece o elo entre as narrativas – através de um diário ou de um filme, as histórias repercutem pelo tempo e o espaço. Deste modo, a viagem do leitor termina exatamente onde começou: no Pacífico Sul do século dezenove.

A estrutura do livro não é tão confusa quanto parece (clique para ver).

Estão presentes no livro esta interligação em forma de legado e a questão da reencarnação – a exceção de um, os protagonistas dos contos trazem uma marca de nascença que os identifica como uma mesma alma incorporada em outra vida. Mas esses temas não são o foco de Cloud Atlas.

Segundo o autor, a obra trata da predação de “indivíduos por indivíduos, grupos por grupos, nações por nações, tribos por tribos” que, retratada em diferentes contextos (épocas), explicita seu caráter eterno, recorrente. Mitchel diz ser possível inferir tal interpretação do título: “as nuvens seriam as manifestações mutáveis do Atlas, que por sua vez representa a natureza humana imutável” (?!). A reencarnação, por exemplo, “é só um símbolo (…) da universalidade da natureza humana”.

Em se tratando de recorrências, há as que se destacam ao longo da obra: os movimentos de ascensão e declínio (explicitas na forma de escaladas e quedas ou implícitas em epifanias morais); a contestação da veracidade das histórias pelos protagonistas que as conhecem; e a citação ao número seis (a música que é um sexteto, o personagem que é chamado Sixsmith, a dívida de sessenta mil libras, os seis catecismos dos clones).

Sobre o filme:

Cloud Atlas era considerado por muitos como um livro impossível de adaptar para o cinema. O próprio Mitchell reconheceu que sua estrutura aninhada, de uma história contida em outra, era rígida demais para a telona. A solução encontrada pelos Wachowski foi apresentá-las em paralelo, intercalando-as nos momentos em que as similaridades de situações explicitavam as ligações e recorrências – por exemplo, nas cenas de confronto contra o vilão de cada história.

A sugestão de ressurreição também está presente aqui, mas de modo exacerbado – e até mal pensado. Não só há ênfase na marca de nascença que surge em diferentes protagonistas ao longo das épocas, mas os atores também se tornam recorrentes, alguns interpretando personagens completamente diferentes, outros representando sempre um mesmo arquétipo (o vilão, o oportunista).

Os atores se revezam, surpreendem e divertem em papéis diversos.

Em Cloud Atlas, dois contos apresentam certo aspecto de romance: a do jovem músico e a do clone que se revolta contra o sistema. Em A Viagem, o amor está em toda parte e surge como mais uma característica que interliga as histórias – e a maioria dos desfechos é encerrada com um par romântico estabelecido. Assim, o filme torna-se uma experiência mais sentimental que o livro.

Essas são as principais diferenças entre as obras. Obviamente, há outras que incluem desde a ênfase na luta pela liberdade, a mudança do nome de ao menos um personagem, a remoção de trechos existentes e a inclusão de outros inexistentes no livro de Mitchell (veja na parte dois do texto o link para um interessante artigo que identifica estas e outras diferenças).

Afinal, o que você achou do filme, ô do capuz?
Leia a parte 2 e descubra.

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