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Não é pelos R$ 20 bilhões – por Lorena Otero

Na última quinta-feira, saí de casa animada pelo expediente curto. Essas horas a menos no trabalho eram minha maior relação com a estreia do Brasil na Copa do Mundo. Escolhi um vestido verde apagadinho, perfeito para não levantar suspeitas. Pra quem #naovaitercopa, eu era mais uma que não dava a mínima para o mundial. Para quem #vaitercopasim, eu me misturava perfeitamente em uma torcida de verdes, amarelos e azuis berrantes. A verdade é que eu já me sentia casada da Copa e não queria me dar o trabalho de tomar um partido.

Cena de Last Week Tonight with John Oliver.

Em vídeo, apresentador fala sobre os abusos da FIFA no Brasil.

Os absurdos que a FIFA fez no Brasil, com a bênção do governo federal, são motivos reais de indignação. Não tínhamos condição financeira de hospedar um evento dessa magnitude, muito menos moral para impor respeito. Os protestos que começaram com a defesa de um ideal e explodiram em um manifesto de insatisfação à política, se esfriaram porque eram poucos aqueles que sabiam o que estavam fazendo. A grande maioria foi levada pelo clima, foi palha envolvida pela chama.

Hoje, os protestos são povoados por mascarados violentos que se distanciam de seu significado. Onde está a lógica da minha crítica se, para condenar a violação ao meu país, eu destruo os símbolos da minha cidade? No meio destes, alguns românticos vazios nem sabem direito o que defendem com argumentos genéricos, se colocando em risco e alimentando um movimento descaracterizado. Os estudantes dos diretórios acadêmicos, militantes e cidadãos inteligentes que, no início de tudo, comandaram essa rebelião contra a omissão dos governantes, estão desfocados por pessoas que não os representam.

A cereja no topo do bolo é a elite brasileira. No ano passado, mauricinhos e patricinhas de toda parte se deixaram levar pela beleza das avenidas lotadas e pelo orgulho de ser brasileiro. Este ano, eles só querem chegar cedo em casa e esperam que não nenhum black block ouse a entrar em seu caminho. Na abertura da Copa, foram eles que ofenderam a presidente Dilma Roussef, provando que alta escolaridade não tem nada a ver com educação.

Essa Copa do Brasil nem é feito da Dilma, meu povo. Quando fomos escolhidos para sediar o mundial, foi o Lula com seus quatro dedinhos que apertou a mão do Joseph Blatter, todo sorridente. Isso aconteceu em setembro de 2007 e, se não estou enganada, tinha quase tanta gente na rua comemorando o resultado anunciado pela FIFA quanto tinham nas manifestações de 2013.

O ímpeto que levou toda essa classe a média desabafar no estádio palavrões repreendidos em suas residências é feito do mesmo material que move os mascarados nos atos de vandalismo: anonimato. Dentro de um grupo, eu não tenho personalidade, não tenho voz e faço parte de uma massa sem rosto. O meu grito no estádio se soma ao coro. Minha pedra na vidraça se soma ao carro da imprensa incendiado. Ninguém é culpado quando a responsabilidade é de todos.

Somos um?

No anonimato todos estão certos, mesmo quando estão errados. – Foto de Rodrigo Dias

Por tudo isso, eu estava com preguiça da Copa. Já tinha saturado o tema e a ideia de conviver com o campeonato por mais um mês me desanimava profundamente. No entanto, foi só quando meu namorado me obrigou a assistir o jogo que eu percebi o que eu estava ignorando na minha pretensiosa análise da situação. A Copa do mundo não é só determinação nonsense, não é só corrupção, não é só declaração babaca de ex-jogador despreparado. É a maior festa do futebol, uma das poucas coisas capazes de nos unir como nação. Cada brasileiro, em algum momento de sua história, já utilizou o número de Copas que assistiu como unidade de medida da própria vida. Isso é grandioso demais para ser desvalorizado.

Nesta terça, quando o Brasil joga de novo, o verde da minha roupa vai ficar mais corajoso. Vou para o trabalho com a camisa da CBF de apenas quatro estrelas que ganhei no ano do Penta. Ela é velha, um pouco encardida, e tem quase quatro vezes o meu tamanho. Mesmo assim, vou andar pela rua orgulhosa, e esse sentimento não tem nada a ver com o governo que abriu as pernas para a FIFA ou os amigos militantes que vão me julgar pelo “patriotismo alienado”.

The New York Times filma manifestantes comemorando gol do Brasil.

The New York Times filmou manifestantes comemorando o primeiro gol do Brasil.

Essa camisa é o meu pai vestindo a filha de 12 anos com a roupa do próprio corpo porque não queria ninguém da família descaracterizado durante o jogo. É a minha sogra que, mesmo durante uma fase de luto e tristeza, vibrou e gritou de alegria quando o Oscar fez o terceiro gol. É minha mãe, eterna desapegada de todos os bens materiais, guardar minha touca listrada de verde amarelo porque sabe que me dá sorte. É a vitória de ter mantido a mesma turma de amigos para torcer por mais uma Copa. Não é fechar os olhos para a situação política do meu país. É me permitir viver uma alegria que faz parte da cultura brasileira.

Sobre a autora

Lorena Otero é jornalista e trabalha em uma agência de comunicação. Fora os textos do trabalho, lê o Escriba, revistas e livros. Fica feliz na época de horário político e detesta verduras e insetos.

Já escreveu um livro infantil de quatro páginas quando tinha sete anos e acreditou quando a professora disse que ela tinha jeito com as palavras. Deviam prestar mais atenção nos profissionais de educação deste país.

Para saber mais:

  1. O efeito nhé: onde a cronista convidada Lorena Otero comenta sobre o mascote da Copa.
  2. Pautas Caídas: blog ao qual a cronista pretende se dedicar mais no futuro.

Site Parceiro: Pautas Caídas

Imagino que para um profissional da palavra não há frustração maior do que ter rejeitados os textos ao quais se dedicou com empenho e zelo. No ramo jornalístico isso é comum, infelizmente.

Não significa, porém, que estejam todos destinados a uma gaveta poeirenta ou à lata de lixo. É o que acredita a jornalista Lorena Otero, que já deu as caras por aqui na crônica O efeito nhé.

Sabendo que não adianta chorar pelo leite derramado, ela arregaça as mangas para compartilhar seu talento com o mundo em seu recém-lançado blog.

Confiram: http://pautascaidas.wordpress.com/

O efeito nhé – Crônica Convidada

A FIFA anunciou a mascote da Copa do Mundo de 2014. Um evento ainda está sendo programado para oficializar sua apresentação ao grande público e um concurso na internet está acontecendo para definir o seu nome. Nossa mascote? Um tatu-bola.

Olhei bem para a carinha dele hoje de manhã antes de precipitar um julgamento: olhos grandes, em desproporção ao rosto, que exploram bem a artimanha clássica de ilustradores que pretendem conferir inocência e amabilidade ao desenho; sutilmente trabalhado nas cores verde, amarelo, azul e branca, para evidenciar o patriotismo; uma expressão sapeca e uma postura articulada.

Contudo, minha inevitável primeira impressão não foi inspiradora. Um misto de desapontamento e conformação foi traduzido em um bico e um resmungo: “Nhé”. Por que o cândido tatuzinho não me inspirou? Por que não vi nada além de mediocridade em seus redondos e infantis olhos verdes? Em busca de acalento, li os comentários em alguns portais onde a notícia havia sido publicada.

Os comentários simpáticos como “as crianças vão adorar”, “até que ele é bonitinho” e “seria pior se fosse um macaco”, estão afogados em um mar de críticas que foram além do “nhé” e que beiraram o nojo e a repulsa. Separei alguns dos mais inflamados:

  • Ridículo. Me lembrou um Avatar;
  • Parece que foi um aluno da turma iniciante de Design da Microlins quem fez;
  • Maurício de Souza, socorro;
  • Tem cara de tartaruga;
  • É pior que a logo da Copa;
  • Será isso um Clipart do Word 97?
  • Perfeito! Escolheram um bicho que se enterra em um buraco, come carniça e que vive com a bola nas mãos. Podia chamar Mensalinho;
  • Uma mascote feia é o menor de nossos problemas! Ainda faltam 12 estádios, 1 seleção, 1 técnico, 30 hotéis, 14 aeroportos, 120.000 km de rodovias, 2.000 km de metrô, 6 trens-bala, 115 favelas pacificadas, 33.000 soldados preparados, 2000 restaurantes e 150.000 motoristas de taxi falando inglês;

Por mais que a clemência ao gênio Maurício de Souza tenha feito sentido para mim, assumi a obrigação de defender o bicho. Nossa mascote não é visualmente pior que o ursinho Misha, símbolo das Olimpíadas de Moscou, em 1980. Até hoje ele é a mascote mais amada e lembrada dos jogos, tanto que eu, nascida em 1990, conheço a cena do mosaico choroso na festa de encerramento.

No entanto, não foi a fofura de Misha, ou técnica impecável de seu autor que o imortalizou no imaginário global, mas o orgulho russo em ostentar o ursinho. Na contramão da lógica, o costume nacional é desvalorizar o produto interno e minar todas as suas potencialidades. Se nós não gostamos de nosso trabalho, por que outros haveriam de gostar? Ao criticar o Brasil, o mundo segue a tendência que nós mesmos começamos.

Nosso tatu-bola só é inexpressivo, pois nenhum valor foi agregado a ele ainda. Outros símbolos, hoje ícones mundiais, um dia também não tiveram valor. Aposto que já acharam o símbolo da Nike imbecil , pouco menos expressivo que um acento ortográfico. Precisamos entender que o desenho, por si só, não será motivo de inspiração. A inspiração está no que ele significa e representa: o nosso país, o nosso povo e a nossa pentelhice.

Sobre a autora

Lorena Otero é jornalista e trabalha em uma agência de comunicação. Fora os textos do trabalho, há um ano que só lê o Escriba, revistas e os livros do George Martin. Fica feliz na época de horário político e detesta verduras e insetos.

Já escreveu um livro infantil de quatro páginas quando tinha sete anos e acreditou quando a professora disse que ela tinha jeito com as palavras. Deviam prestar mais atenção nos profissionais de educação deste país.

Para saber mais:

  1. Coluna de Lauro Jardim na Veja: artigo que anuncia a mascote da Copa de 2014 e inspirou a cronista Lorena Otero.

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