Stephen King, Mestre do Terror e do Suspense, autor de mais de 50 romances, centenas de contos, uma porção de novelas, poemas, ensaios e livros de não ficção. Imagine o quanto um escritor iniciante pode aprender com uma fera dessas.
Agora pare de imaginar, corra até a livraria mais próxima e garanta seu exemplar de Sobre a Escrita – A Arte em Memória, livro que é tanto uma autobiografia de King quanto um manual de conselhos para quem quer escrever.
Para celebrar o lançamento (com 15 anos de atraso) do livro no Brasil , o Escriba Encapuzado publica um valioso ensaio escrito pelo próprio Mestre em 1986 para as páginas da revista The Writer.
Para facilitar a leitura, o texto foi dividido em duas partes: na primeira, o escritor revela como descobriu sua vocação para a escrita; na segunda, a qual será publicada amanhã, ele lista 12 conselhos que te ajudarão a ser um escritor de sucesso.
Confira a seguir a primeira parte do ensaio.
Tudo o que você precisa saber sobre escrever com sucesso: em dez minutos (Parte 1)
por Stephen King
I. A Primeira Introdução
É ISSO AÍ. Sei que até parece um anuncio de uma vil escola de escritores, mas eu vou mesmo contar tudo o que é preciso para que você busque uma carreira de sucesso e financeiramente gratificante escrevendo ficção, e vou mesmo fazê-lo em dez minutos, exatamente o tempo que levei para aprender. Na verdade, você levará cerca de vinte minutos para ler este ensaio, mas só porque preciso te contar uma história, e depois preciso escrever uma segunda introdução. Mas esse tempo não deve ser contabilizado nos tais dez minutos.
II. A História, ou, Como Stephen King Aprendeu a Escrever
Quando eu estava no colegial, fiz o que é esperado de colegiais arteiros: meti-me numa típica enrascada colegial. Eu escrevi e publiquei um jornalzinho satírico chamado O Vômito da Aldeia. Num artiguinho, satirizei alguns professores do Colégio Lisbon (no Maine), onde eu estudava. Não foram sátiras muito gentis; elas variavam do escatológico à crueldade pura.
Eventualmente, uma cópia do jornalzinho chegou às mãos de um membro do corpo docente, e como eu havia sido imprudente o suficiente para colocar o meu nome ali (erro do qual ainda não me recuperei completamente, afirmam alguns críticos), eu fui levado à secretaria. Àquela altura, o zombador sofisticado já tinha voltado a ser o que era: um moleque de quatorze anos que tremia nas botas e imaginava se levaria uma suspensão… que nós chamávamos de “férias de três dias” nos indistintos idos de 1964.
Eu não fui suspenso. Fui forçado a pedir algumas desculpas – todas devidas, mas ainda assim eram como cocô de cachorro em minha boca – e a passar uma semana na sala de detenção. E o orientador providenciou o que, sem dúvida, ele pensou ser um canal mais construtivo para meus talentos.
Tratava-se de um emprego – condicionado à aprovação do editor – escrevendo sobre esportes para o Lisbon Enterprise, um desses semanários de doze páginas com os quais qualquer morador de cidade pequena estará familiarizado. O tal editor foi o homem que me ensinou, em dez minutos, tudo o que sei sobre escrever. O nome dele era John Gould – não o famoso humorista da Nova Inglaterra nem o romancista que escreveu The Greenleaf Fires, mas um aparentado de ambos, eu creio.
Ele me contou que necessitava de um escritor de esportes e que nós poderíamos “testar um ao outro”, se eu quisesse.
Eu contei a ele que sabia mais sobre álgebra avançada do que sobre esportes.
Gould assentiu e disse, “Você aprenderá”.
Eu disse que pelo menos tentaria aprender. Gould me deu um imenso rolo de papel amarelo e prometeu um ordenado de meio centavo por palavra. As duas primeiras peças que escrevi tratavam de uma partida de basquete colegial no qual um membro da equipe da minha escola quebrou o recorde de pontuação do Colégio Lisbon. Uma dessas peças era pura reportagem. A segunda era um artigo.
Eu levei ambas para Gould no dia seguinte ao jogo para que ele pudesse colocá-las no jornal, o qual saia às sextas-feiras. Ele leu a peça objetiva, fez duas pequenas correções, e meteu nela uma tachinha. Então ele partiu para o artigo com uma grande caneta preta e me ensinou tudo o que eu necessitava saber sobre meu oficio. Quisera eu ter ainda a tal peça – ela merece ser emoldurada, mesmo com as correções editoriais –, mas consigo recordar muito bem como ela ficou depois que Gould terminou.
Eis um exemplo:
(após as marcas editoriais indicadas na cópia original de King)
Na noite passada, no |
Quando Gould terminou de rasurar minha cópia como indicado acima, ele olhou para cima e deve ter visto algo em meu rosto. Creio que ele pensou ser horror, mas não era: era revelação.
“Eu só removi os trechos ruins, sabe”, ele disse, “A maior parte está muito boa”.
“Eu sei”, eu disse, concordando com as duas coisas: sim, a maior parte daquilo era boa, e sim, ele apenas havia removido as partes ruins. “Não farei de novo”.
“Se isso for verdade,” ele disse, “você nunca precisará trabalhar de novo. Você pode viver disso.” Então ele jogou a cabeça pra trás e gargalhou.
E ele estava certo; estou vivendo disso, e enquanto continuar vivendo, eu espero nunca ter que trabalhar de novo.
III. A Segunda Introdução
Tudo o que se segue já foi dito antes. Se você se interessa o bastante por escrita para ser um comprador desta revista*, você já terá escutado ou lido (quase) tudo isso antes. Milhares de cursos de escrita são ministrados pelos Estados Unidos todos os anos; seminários são constituídos; conferencistas convidados falam, respondem perguntas, bebem o tanto de gin e tônica que suas diárias permitem, e tudo se resume ao que se segue.
Eu vou te contar essas coisas de novo porque as pessoas normalmente só escutam – escutam de verdade – alguém que ganha muito dinheiro fazendo a coisa da qual ele está falando. É triste, mas é verdade. E te contei a história acima não para soar como um personagem saído de um romance de Horatio Alger, mas para estabelecer um argumento: vi, escutei, e aprendi.
Até aquele dia no pequeno gabinete de John Gould, eu escrevia primeiras versões de histórias que ultrapassariam 2.500 palavras. As segundas versões chegariam às 3.300 palavras. Depois daquele dia, as primeiras versões de 2.500 palavras se transformaram em segundas versões de 2.200 palavras. E dois anos mais tarde, eu vendi meu primeiro livro.
Amanhã: a segunda parte com 12 dicas de Stephen King para ser um escritor de sucesso.
Para saber mais:
- Livro de Stephen King com conselhos para escritores iniciantes sai no Brasil: saiba mais sobre o livro nesta matéria da Folha de São Paulo.
- Relembre 20 filmes inspirados nos livros de Stephen King: você pode até não conhecer o Mestre do Terror e do Suspense, mas com certeza já deve ter topado com algum trabalho dele. Confira essa lista na Super Interessante.
- A Vida e a Obra de Stephen King – Parte1 e Parte 2: a galera do podcast Ghost Writer dedicou dois episódios ao mestre. Confira.
- King of Maine: um dos mais completos sites em português sobre Stephen King.
- StephenKing.com.br: um concorrente de peso para o King of Maine.