Em 2010, eu conheci o National Novel Writing Month (NaNoWriMo), o evento internacional que propõe escrever um livro em 30 dias. Na esperança de me preparar melhor, adiei minha participação para 2011. Não aconteceu: ano de formatura em faculdade é ano agitado.
Finalmente, em 2012, topei o desafio. Mas ao invés de mergulhar de cabeça, entrei na ponta dos pés para conquistar a vitória. Valeu a pena. A experiência contribuiu muito para meu amadurecimento como escritor.
Planejamento é fundamental
O NaNoWriMo ocorre só em novembro. Todos os meses anteriores podem ser aproveitados para a preparação do livro – de fato, esta recomendação é unânime entre os participantes de edições anteriores. Por já estar com a agenda repleta de projetos paralelos, decidi me preparar apenas um mês e meio antes.
A duas semanas do início do evento me arrependi: o parco material que havia reunido não sustentaria um romance de 50 mil palavras. Nada disposto a desistir, mas temendo perder o fôlego no meio do caminho, eu adotei outra estratégia: ao invés de uma única história longa, eu escreveria várias curtas.
Optar por uma coletânea de contos foi excelente. Havia inúmeras historietas rascunhadas em arquivos no meu computador e nos cadernos da faculdade – ei, quem nunca rabiscou ideias durante as aulas? Escolhi as 8 (oito) mais promissoras para trabalhar melhor diversos aspectos, como ambientação, tom, estrutura.
Conto x Romance
Há quem prefira não escrever contos no NaNoWriMo por ter dificuldade em desvencilhar-se destes: personagens, cenas, situações repetem-se ou confundem-se entre as diversas histórias. O escritor tem uma incomoda sensação de déjà vu. Isso não aconteceu comigo e a razão talvez seja o método de trabalho que adotei.
Defini que, uma vez iniciado, um conto deveria ser escrito até o fim, ou seja, nada de alternar entre as oito histórias ao longo do mês. Foi um ótimo modo de treinar a disciplina. Eu também nunca começava a escrever um conto no mesmo dia em que concluía outro.
O primeiro dia de novembro chegou e eu ainda tinha 2 (dois) rascunhos de conto inalterados: algumas linhas sobre o enredo e o protagonista era o que havia. Antecipando o trabalho que teria para escrevê-los, eu os deixei de lado por um tempo e procurei entre os outros 6 (seis) os que mais me empolgavam. Alternando-os numa lista numerada, lancei-me ao desafio.
Produtividade à prova
Cerca de 1.670 palavras por dia rendem um livro de 50 mil palavras ao final de um mês. Linda teoria, mas a prática é bem diferente. Em toda a primeira quinzena de novembro, apenas num mísero dia (o primeiro) atingi essa cota. Na verdade, todo o período foi pouquíssimo produtivo e cheguei a ficar 7 (sete) dias sem escrever uma vírgula sequer.
Registrando meu progresso em uma planilha, aterrorizei-me ao perceber que, naquele ritmo, eu só atingiria a meta em dezembro. Para piorar, a quantidade de palavras diárias necessárias para cumprir o prazo tinha subido para 2.700. Tudo teria ido pelos ares não fossem as férias do trabalho agendadas para os quinze dias seguintes.
Pelo que restava do mês, eu consegui manter um ritmo constante escrevendo todos os dias e ficando, na maioria deles, acima da cota diária (recalculada automaticamente segundo minha produtividade) – de sete dias pouco inspirados, três foram os últimos do NaNoWriMo, nos quais trabalhei um dos dois contos que não havia planejado.
Manter uma planilha de controle durante o evento é excelente. Com ela é possível replanejar os dias à frente, empenhando-se mais em alguns, tirando folga em outros. Escrever todo dia não é tão fácil quanto pode parecer, mesmo quando não é preciso conciliar família, profissão e estudos. A vida proporciona inúmeras situações que não podem esperar o fim de novembro.
Perdendo o rumo
A seis dias do fim do NaNoWriMo, eu comecei a trabalhar aquelas ideias mal rascunhadas de contos que não tive tempo de planejar melhor. Foi um verdadeiro martírio transformar poucas linhas vagas em duas histórias coerentes e interessantes. Passei horas tateando na escuridão, à procura dos rumos e conflitos do enredo, da essência e motivações dos personagens.
Enquanto escrevia, vários caminhos alternativos se desdobravam, personagens surgiam e desapareciam a todo instante, situações se arrastavam sem propósito algum, finais diversos se insinuavam. Puro caos. Muitas palavras foram lançadas ao papel até que o caminho adequado fosse encontrado.
Pode-se dizer que passei os últimos dias do evento não apenas escrevendo, mas planejando essas histórias. Obviamente, muito do que escrevi não foi considerado na contagem. Há quem diga que tudo que é escrito em novembro vale, mas discordo e, por isso, apenas as primeiras versões “definitivas”, com finais definitivos (sem aspas) dos dois contos compuseram o total.
As pedras no caminho
Escrever sem planejamento prévio, sem ao menos uma noção do rumo da história, foi difícil, mas houve outros desafios naquele novembro insano. Lidar com interrupções constantes, por exemplo, rendeu algum estresse. Durante as férias eu era solicitado com frequência por minha família por estar “à toa”, enfurnado no quarto.
Essas intervenções aconteciam sempre no pior momento possível – quase sempre durante a rara visita da musa, que fugia sem hesitar ao mero ranger da porta. Quando expliquei a razão de meu isolamento social, a maçaneta passou a sacudir menos. Contudo, feriados e finais de semana continuaram sendo um pesadelo; simplesmente os piores dias para escrever.
Na segunda quinzena do NaNoWriMo me vi obrigado a escrever por longas horas todo santo dia até o limite da exaustão. Péssimo. Exceder-se para aproveitar uma súbita onda inspiradora pode parecer uma boa estratégia, mas trará consequências terríveis no(s) dia(s) seguinte(s). O ideal é parar enquanto ainda se quer continuar, poupando esta motivação para o amanhã.
Houve dias em que eu estava sem paciência de sentar-me diante do computador, ainda que apenas por algumas horas. Queria escrever, mas estava enjoado da ferramenta, do ambiente. Tampouco queria usar papel e caneta – não tenho hábito de utilizar cadernos físicos, mas falo sobre isso em outra oportunidade.
A solução para mim foi utilizar um smartphone. De posse do meu bom e saudoso Nokia E71, eu sentava-me na varanda de casa, numa lanchonete, num banco de praça e ali, imerso noutro ambiente, dava continuidade aos contos. Claro, um notebook também daria conta do recado, mas um celular traz muito menos distrações.
Controlar o uso da Internet também foi complicado. Em quase todos os dias, escrevi com ela ligada, o que me prejudicou em, digamos, 60% das vezes. Às vezes, durante as pausas entre as sessões de escrita ou quando eu travava em algum ponto de uma história eu aproveitava para fuçar no Facebook, conferir e-mails, ler alguns blogs. Difícil era me forçar a voltar ao trabalho.
O maior problema foi quando utilizei a Internet como fonte de pesquisa para os dois últimos contos, um ambientado no Brasil Colônia, o outro após a Segunda Guerra Mundial. Perdi muito tempo, pois não sabia exatamente do que eu estava precisando, já que nem mesmo a história estava definida. Há material bastante ali para ocupar um pesquisador por um longo tempo.
A TV também foi um vilão no mês de novembro. É incrível o seu poder de enfeitiçar: bastava uma ida ao banheiro ou à cozinha para que o olhar de esguelha fosse capturado pelo programa superinteressante só podia estar passando naquela hora em que eu estava escrevendo. Mas se houver disciplina, ela pode ser uma aliada na busca por inspirações para uma história.
Nos próximos artigos da série eu compartilharei meu diário de bordo e dicas motivacionais. 😉
Para saber mais:
- NaNoWriMo: 30 dias para escrever um livro – saiba mais sobre o evento no primeiro artigo da série que estou escrevendo.
- NaNoWriMo: as críticas e o valor do desafio – saiba porque o evento é visto com desconfiança por escritores e demais profissionais do mercado editorial.
- National Novel Writing Month: página oficial do evento. Acesse, informe-se e participe do desafio!
- Especial NaNoWriMo: o blog Novas Memórias de Ivan Bittencourt também está com uma série de posts sobre o evento. Confiram.
- Como consegui escrever um livro em 4 semanas: relato de Diego Schutt, autor do Ficção em Tópicos e participante da edição de 2010 do NaNoWriMo.
- 13 verdades terríveis sobre o NaNoWriMo: o outro lado da moeda por um participante do evento (em inglês).