Saiba antes de ler: não sou crítico literário nem detentor da verdade absoluta. O texto abaixo relata as impressões que tive após a leitura deste livro e não traz quaisquer revelações quanto ao enredo.
Autor do elogiado romance O Alienado e de inúmeros contos, o fluminense Cirilo S. Lemos já demonstrou talento nato para desenvolver tramas e personagens fascinantes. Nesta criativa ficção científica retrofuturista, porém, Cirilo se supera. Publicado em formato físico e digital, E de Extermínio é uma das mais gratas surpresas editoriais de 2015.
No século XX, um Brasil alternativo liderado pelo Imperador D. Pedro III está à beira de uma crise: monarquistas, militares, comunistas e potências estrangeiras brigam pelo poder. Alheio às intrigas, um matador de aluguel consumido pela culpa e atormentado pelas visões de uma santa aceita um contrato que atrelará o destino da nação ao de sua própria família.
A premissa pode até parecer simplória, mas não se engane: os desdobramentos das ações do matador Jerônimo Trovão e de seus filhos Deuteronômio e Levítico são espetaculares e muito bem amarrados – a trama atravessa cerca de uma década da história do Brasil. Os personagens históricos, a tensão política e o clima de revolução industrial são desenvolvidos com maestria e Cirilo foi especialmente inventivo na representação dos aspectos paranormais da obra.
Ao longo da narrativa há a inserção de manchetes fictícias que fornecem um panorama geral dos bastidores e sugam cada vez mais o leitor para esse universo alternativo – sim, trata-se de um recurso comum, mas que funciona muito bem neste livro.
O estilo de Cirilo é agradável e a leitura flui naturalmente. O uso de siglas sem o devido nome por extenso pode gerar confusão, ao menos no princípio – pode ser difícil lembrar que AIB significa Ação Integralista Brasileira. A falta de algumas descrições (como das armas utilizadas pelos personagens) em certos momentos também pode incomodar.
O livro tem uma pegada pulp assumida desde a capa e reserva boas doses de ação e mistério. Mais do que diversão, porém, E de Extermínio propõe reflexões, algo comum nos trabalhos de Cirilo. Populismo, luta de classes, tradição versus modernidade, e outros tópicos polêmicos são abordados em suas 248 páginas, mas sem tom panfletário – o autor deixa que o leitor tire suas próprias conclusões.
Com suas máquinas movidas a diesel, cenários fantásticos, paranormalidade e conspirações, o Brasil recriado por Cirilo é um lugar novo e, ainda assim, perturbadoramente familiar. Mais do que recomendada, esta é uma leitura imperdível.
Assim, eu concedo 5 penas-tinteiro (ou estrelas).
E esta é a humilde opinião de um escriba.
E de Extermínio é a versão mais desenvolvida (e complexa) de Autos do Extermínio – não à toa, o título dado à primeira de quatro partes do livro – noveleta finalista do Prêmio Argos 2012 e que integra a coletânea internacional The Mammoth Book of Dieselpunk.
Saiba antes de ler: não sou crítico literário nem detentor da verdade absoluta. O texto abaixo relata as impressões que tive após a leitura deste livro e não traz quaisquer revelações quanto ao enredo.
A Rainha da Primavera é um romance infantojuvenil da jovem escritora paranaense Karen Soarele. Disponibilizado gratuitamente como e-book (.PDF ou .EPUB) e à venda por impressão sob demanda, a obra é uma concisa introdução ao universo fantástico apresentado em Línguas de Fogo, primeiro trabalho publicado da autora.
O livro tem como público-alvo, principalmente, leitores na faixa etária entre 10 e 15 anos – na qual, obviamente, eu não me incluo já há um tempo razoável. A convite de Soarele, porém, arrisquei-me na leitura do e-book (mil vivas ao Kindle!). Ao fim das 87 páginas, porém, frustrei-me ao ver tantos elementos promissores desperdiçados.
Numa ilha que só pode ser encontrada a cada dez anos vive Flora, que há muito anseia por uma vida de aventuras. Quando um guerreiro de olhos rubros e mãos ensanguentadas e um velho de rosto deformado a encontram, seu desejo está prestes a ser realizar. Vindos de um reino ameaçado pela guerra, os dois forasteiros revelam a Flora o segredo de sua origem e a convocam a uma jornada por um mundo além dos confortos de seu lar ancestral.
A premissa de A Rainha da Primavera pode não soar completamente original, mas desperta o interesse. Infelizmente, a obra é prejudicada pelo tamanho, curto demais para possibilitar o desenvolvimento equilibrado de personagens, história e ambiente.
Em mais páginas, protagonistas e antagonistas poderiam ter suas personalidades exploradas com maior profundidade, eventos poderiam ser contextualizados e locais poderiam ser mais detalhados.
Nota-se no texto certo desapego aos detalhes. Em diversos momentos o leitor trava contato com aspectos instigantes do cenário, como a ilha que só pode ser visitada a cada década e seus misteriosos habitantes de pele cinza-esverdeada, uma Guerra Sem Fim, dádivas divinas, entre outros. Nada disso, porém, recebe mais do que descrições breves ou mesmo meras citações.
Em contrapartida, não se alongar em explicações pode ser parte da estratégia de introduzir novos leitores ao mundo de Línguas de Fogo, atraindo-os para o livro principal, onde estariam todos os detalhes não explorados. É uma atitude válida, mas incompreensível em um trabalho cuja proposta é, justamente, expandir esse universo ao contar uma história de seu passado.
Trata-se, ainda, de um risco que pode resultar em efeito contrário se os “ganchos” não forem bem trabalhados; e, novamente, o tamanho do livro dificulta tal tarefa. Todavia, esta questão nem incomodaria tanto se não prejudicasse também o enredo.
A narrativa poderia ter sido mais enriquecida se certos aspectos tivessem sido esmiuçados, como os eventos em torno do passado da protagonista e da sintonia que a torna tão especial aos dois forasteiros.
Por nunca terem os propósitos por trás de suas ações abordadas, os antagonistas também acabam diminuídos a figuras pouco complexas. Não há tons de cinza, tudo é preto e branco; é mau porque é mau, faz guerra por amor à guerra. Contudo, o que poderia soar inverossímil e imaturo numa literatura adulta ou jovem-adulta é aceitável em um infantojuvenil.
Narrando a história em terceira pessoa, Soarele apresenta uma escrita fluída e direta, como convém a esse tipo de obra. Em alguns momentos, porém, a autora tende a se repetir, talvez no intuito de reforçar ao leitor uma imagem ou sensação.
Senti falta de equilíbrio no ritmo da história, que ora se arrasta, ora acelera demais, por vezes até entregando muitas informações numa só tacada – certas revelações teriam maior impacto se não fossem feitas nos primeiros capítulos, por exemplo. A conclusão também se dá de forma muita abrupta.
A Rainha da Primavera é, enfim, uma inocente narrativa mais adequada ao público infantojuvenil. Aqueles que já conhecem o trabalho da autora em Línguas de Fogo, primeiro volume da série intitulada Crônicas de Myriade, tirarão maior proveito desse romance interessante, mas de potencial excessivamente limitado por seu tamanho.
Assim, eu concedo 2 penas-tinteiro (ou estrelas).
E esta é a humilde opinião de um escriba.
Em tempo: está prevista para este ano a publicação do segundo volume das Crônicas, ainda sem título definido. Já A Rainha da Primavera está disponível no blog da autora (veja o link abaixo).
Para saber mais:
Karen Soarele:blog oficial onde é possível adquirir todos os livros da autora, inclusive a versão gratuita do e-book A Rainha da Primavera.
Saiba antes de ler: não sou crítico literário nem detentor da verdade absoluta. O texto abaixo relata as impressões que tive após a leitura deste livro e não traz quaisquer revelações quanto ao enredo.
Augusto Jorge Cury é um escritor brasileiro de renome. Considerado o maior sucesso comercial de 2005 pelo jornal Folha de S. Paulo, o autor foi listado diversas vezes entre os campeões de vendas, tornando-se conhecido mesmo por quem nunca leu um de seus inúmeros livros.
Particularmente, eu nunca me interessei pelos textos de Cury por considerá-los literatura de autoajuda, a qual não me agrada. Contudo, tendo sido presenteado por uma amiga com O Código da Inteligência, optei por deixar o preconceito de lado e dar uma chance ao autor.
Ignorando as informações da capa, típicas de um livro de autoajuda, eu surpreendi-me ao ler no prefácio que o Cury é “psiquiatra, pesquisador de psicologia, autor de uma das teorias mais disseminadas sobre o funcionamento da mente”. Nutri, assim, a expectativa de que a obra apresentaria fundamentos científicos, o que a diferenciaria tremendamente de outras do tipo.
Afora introdução e conclusão, o livro divide-se em três partes: os cinco capítulos iniciais são dedicados à Inteligência ou Psicologia Multifocal, teoria desenvolvida por Cury ao longo de mais de vinte anos “sobre o funcionamento da mente, a construção de pensamentos e o processo de formação de pensadores”; a segunda parte aborda, separadamente, cada uma das 4 armadilhas da mente que impossibilitam decifrar os códigos da inteligência; finalmente, a terceira parte trata dos códigos em si.
A abordagem da Inteligência Multifocal é o que o livro tem de mais interessante. Os conceitos de Registro Automático da Memória (RAM), Síndrome do Pensamento Acelerado (SPA) e outros me pareceram plausíveis (cientificamente) e familiares; senti-me como se já tivesse tido contato com estes antes.
Todavia, as outras partes do livro minguaram meu interesse e intensificaram a sensação de ter em mãos apenas mais um livro de autoajuda. A forma como o texto apresenta tópicos como conformismo e medo do reconhecimento de erros, por exemplo, não se diferencia em nada do modo como estes são abordados em diversos outros autores daquele tipo de literatura. Tudo aqui é lugar-comum, simplório e genérico demais para um pretenso livro de ciência aplicada.
É evidente que Cury se propõe a utilizar uma escrita adequada ao público leigo – recorrendo, inclusive, a múltiplas analogias – para explicar e exemplificar suas teorias. Contudo, não há (ou não fui capaz de identificar) qualquer fundamento científico ali; não há citações, referências a trabalhos de terceiros.
O autor se limita a citar personalidades históricas como Freud ou Jung, muitas vezes utilizando-as como exemplos de suas teorias.
Por outro lado, frases de efeito encontram lugar ao longo do livro, e ainda que se apresentem como construções literárias belas e momentaneamente inspiradoras, estas se revelam demasiadamente vazias ou subjetivas – outro exemplo típico de literatura de autoajuda. Fosse este um livro de ciência aplicada como defende o autor, eu esperaria, no mínimo, técnicas ou exercícios mais práticos, mais objetivos.
Pode-se argumentar que o livro assim se apresenta por ser a psicologia uma ciência humana, não exata. Desconheço qualquer fundamento de psicologia, nada sei sobre suas metodologias ou aplicações no cotidiano, porém, eu sei que, como ciência, esta também requer o mínimo de fundamento em pesquisas científicas – dar-se-á, assim, algum crédito ao assunto proposto. Em outras palavras, deveria haver algum esforço do autor para demonstrar algum rigor científico no texto, sem limitar-se somente a apresentar uma bibliografia após a conclusão.
O modo como o autor se repete em diversos momentos também prejudica a leitura, assim como sua constante autopromoção; Cury parece sugerir que a leitura de seus outros livros é imprescindível para que se compreenda melhor o tema deste – corrijam-me se eu estiver enganado, mas creio que nem todos abordam os mesmos assuntos.
De início, no primeiro capítulo, Cury defende que seus livros “são erroneamente classificados como autoajuda” e que há “gritantes diferenças entre um livro de autoajuda e um livro de ciência aplicada”. Infelizmente, neste caso, isto não corresponde à realidade.
Com um texto e exercícios excessivamente subjetivos, repleto de frases de efeito vazias, e sem fundamentação científica aparente, O Código da Inteligência é, sim, uma obra de autoajuda. Assim, eu concedo somente 1 pena-tinteiro (ou estrela) para O Código da Inteligência.
E esta é a humilde opinão de um escriba.
– NOTAS –
Augusto Cury é uma figura inusitada e polêmica. Ainda que seja um sucesso indiscutível de vendas, seus livros e teorias são criticados por profissionais e estudiosos de psicologia por apresentarem pouco ou nenhum rigor científico.
O autor também é famoso por sua imodéstia (certa vez afirmou que sua teoria revolucionará a humanidade, sendo tão complexa que poucas pessoas conseguem compreendê-la) e por suas declarações infundadas (ele já defendeu que a terapia multifocal é capaz de curar o autismo).
Eu recomendo a leitura dos textos indicados a seguir; estes apresentam os pontos de vista de profissionais do ramo sobre a figura de Augusto Cury, bem como algumas polêmicas envolvendo o autor.
Para saber mais:
Augusto Cury:site oficial do autor; saiba mais sobre o mesmo, seus livros, projetos, agenda e deixe um recado para o mesmo.
@Augustocury: siga o autor no Twitter e acompanhe o que ele tem a dizer.
Sucesso comercial: artigo publicado pela Folha de São Paulo em 2005 sobre o autor e seu trabalho.
Mestre da imódestia: artigo polêmico publicado pela revista Veja em 2006 sobre o autor e seu trabalho; várias de suas pérolas são citadas.
Guru renegado: artigo publicado pela revista Veja em 2009 sobre Cury ser o guru de Marina Silva, candidata à presidência na época.
Literatura de autoajuda: texto excelente do psicólogo Adriano Facioli sobre autoajuda e Augusto Cury publicado no portal RedePsi.
As razões da auto-ajuda: outro excelente texto sobre autoajuda publicado no editorial de educação do portal Terra.
Saiba antes de ler: não sou crítico literário nem detentor da verdade absoluta. O texto abaixo relata as impressões que tive após a leitura deste livro e não traz quaisquer revelações quanto ao enredo.
Escrito pelo premiado autor mineiro Luís Giffoni, este Infinito em Pó é uma ficção científica cuja proposta difere bastante do que normalmente se encontra em narrativas do gênero. O livro trata da extensa viagem de uma espaçonave gigantesca, capaz de preservar várias gerações de seus tripulantes, rumo ao sistema Alpha Centauri, o mais próximo do nosso sistema solar.
A ideia de reunir a elite intelectual, científica e artística de diversas partes de uma Terra unificada (mas, verdadeiramente, à beira de um colapso) e despachá-la numa missão espacial milenar sem garantias de sucesso é interessante, ainda que pouco inovadora. Contudo, a história é muito bem conduzida pelo autor e o leitor mais afoito que tirar conclusões precipitadas das páginas iniciais certamente se surpreenderá no final.
Pontuada por referências e especulações científicas complexas, a narrativa é de caráter, essencialmente, psicológico; isto é, o autor concentra seus esforços nos personagens, em seus anseios e dramas pessoais, que acabam por moldar suas perspectivas sobre a viagem que empreendem e o meio em que vivem. Outros aspectos predominantes na narrativa incluem o elemento sexual (“Sexo é o combustível desta nave”) e as intrigas políticas.
A história é desenvolvida através das reflexões e dos pontos de vista de quatro personagens: Shiva Ramanujan, o comandante da missão, e seu filho Nima Prajma; Daedalus O´Curry, o piloto alcoólatra (!); Mira Ceti, a cientista ninfomaníaca; e Aurélia, esposa do comandante, a quem menos páginas são dedicadas.
Há um quinto personagem que está quase sempre presente nas reflexões dos demais e cujas reflexões enriqueceriam ainda mais a história, tendo em vista que o mesmo é uma peça chave para sua conclusão.
Pode-se questionar a necessidade de tal fragmentação da narrativa, mas, particularmente, não consigo imaginar esta história sendo contada de outra maneira. A quase ausência de diálogos, porém, pode incomodar ocasionalmente. E ainda que seja interessante ver os acontecimentos pelos olhos de terceiros, considero ainda mais enriquecedor ver os diferentes pontos de vista colidindo na interação entre os personagens.
Em certos pontos a leitura se desenvolve na terceira pessoa, mas esta transição surge súbita e forçadamente para o leitor, já habituado até ali às impressões da primeira pessoa.
O desfecho, ainda que interessante, deixa a desejar por ocorrer num ritmo muito vertiginoso, diferentemente daquele experimentado ao longo da maior parte do livro. Apesar disto, Infinito em Pó é uma agradável e surpreendente ficção científica, proporcionando uma experiência de entretenimento enriquecedora. Excetuando-se a conclusão apressada e as súbitas mudanças da pessoa narrativa, o livro foi muito bem elaborado e concedo3 penas-tinteiro (estrelas)para Infinito em Pó.
E esta é a humilde opinião de um escriba.
Nota: enquanto escrevia esta resenha ocorreu-me comparar Infinito em Pó ao popular anime japonês Evangellion, não por quaisquer semelhanças de enredo (longe disso), e sim porque este enfoca, essencialmente, as relações e dramas humanos, mas temperado com boas doses de ficção científica e ação. Fica a dica.
Saiba antes de ler: não sou crítico literário nem detentor da verdade absoluta. O texto abaixo relata as impressões que tive após a leitura deste livro e não traz quaisquer revelações quanto ao enredo.
Eu nunca tinha ouvido falar de J. Modesto (ou Joaquim Modesto de Oliveira Junior) até deparar, acidentalmente, com uma ocorrência deste livro na rede social de leitores Skoob. A bela arte da capa e as informações presentes ali despertaram meu interesse: tratava-se de um romance ambientado 300 anos antes do descobrimento do Brasil, envolvendo mitos indígenas e seres sobrenaturais.
Embora não fosse uma ideia completamente inovadora – Roberto de Souza Causo fez algo semelhante no excelente A Sombra dos Homens -, eu resolvi pagar para ver (literalmente). Infelizmente, o autor não correspondeu à expectativa, desperdiçando uma ideia que, tivesse sido trabalhada com mais cuidado, poderia ter produzido uma história infinitamente mais cativante.
O primeiro grande problema do livro se destaca logo no início: a escrita está repleta de erros crassos de concordância e ortografia. Nota-se, claramente, a falta de cuidado na revisão e finalização do livro, e o desconforto inicial será uma companhia constante do leitor que for obstinado o bastante para superar as muitas outras falhas da narrativa e chegar ao final desta.
O livro narra a história de como um feiticeiro mouro, um pajé e guerreiros de tribos indígenas se unem para combater um poderoso demônio que veio dar no litoral brasileiro após um naufrágio. Embora o prólogo seja interessante – o leitor é apresentado à figura histórica de José de Anchieta na recém-fundada Vila de São Paulo de Piratininga –, os capítulos seguintes não são bem desenvolvidos e, frequentemente, tornam a leitura monótona.
A história não é empolgante e parece resumir-se a uma sucessão de cenas de ação. Não parece haver muita preocupação com o perfil psicológico dos personagens, o que torna difícil afeiçoar-se a estes ou mesmo preocupar-se com seus destinos – ora, um dos personagens principais sequer tem nome! A ambientação sofre deste mesmo problema, já que os cenários são descritos de modo muito superficial.
Justiça seja feita, o autor parece ter feito um trabalho de pesquisa razoável (sobre os costumes indígenas principalmente), porém, demonstra isso nos momentos mais inapropriados, muitas vezes impondo um ritmo mais lento à leitura – como exemplo, há a conversa entre dois personagens sobre hábitos alimentares indígenas enquanto uma batalha ferrenha e decisiva se desenrola a alguns metros dali.
Os diálogos são outro problema: alguns são chavões tão batidos que beiram o ridículo, outros são tremendamente infantis – especialmente, aqueles proferidos pelos dois principais seres sobrenaturais, dos quais eu esperava um pouco mais de maturidade devido à própria natureza destes.
A história ainda apresenta situações que soam forçadas ou falsas demais, em especial pelo excesso de explicações em momentos bem inoportunos. Eis um exemplo perfeito disto: enquanto uma terrível batalha se desenrola diante de seus olhos, um personagem explica para outro determinados fatos (completamente irrelevantes) que já eram de conhecimento do leitor.
Como se não bastasse, um terceiro personagem insiste (três vezes) para que a explicação seja mais rápida, pois o tempo está contra eles – ora, se é assim, deixasse as explicações para depois, afinal, elas não contribuíam em nada para a batalha que viria.
A propósito, este é o segundo maior problema do livro: o autor parece não confiar no leitor. Em diversos pontos, o texto se torna repetitivo ou explicativo demais, por exemplo: o autor coloca o tal demônio pensando que “poder manipular as águas tem muitas vantagens” para justificar o fato deste ser capaz de andar sobre as águas; ora, a esta altura o leitor já sabe que o demônio pode dobrar o elemento à vontade, logo, não seria surpresa alguma aquele andar sobre a água.
Não me agradou também o modo como o autor aborda um mesmo acontecimento dos diferentes pontos de vista dos personagens e isto pela seguinte razão: aqui, tal estratégia nada agrega para o desenvolvimento ou enriquecimento da narrativa (ou mesmo da personalidade dos personagens).
Em especial, quase todos os trechos referentes ao ponto de vista do tal demônio são enfadonhos, repetitivos e desnecessários: é um tal de “macacos falantes” para cá, “não encontro ninguém a minha altura” para lá, “este lugar é ideal para meu novo reino”. Tudo parece estar lá apenas para deixar o livro com mais páginas. E, ao contrário do que li em outra resenha do livro, a narrativa segundo os pontos de vista de diferentes personagens nada tem de inovador.
Terminei este livro com muito esforço e o que me levou a fazê-lo não foi a história nem os personagens, mas sim a obstinação de nunca largar um livro pelo metade. Devo confessar, porém, que este quase quebrou minha determinação em diversos momentos. O final não traz nenhuma satisfação e nem mesmo a revelação do Pajé agrega qualquer valor à narrativa, mostrando-se forçada e sem propósito.
Eu não recomendaria este livro nem para aqueles que têm tempo livre de sobra. Quer ler uma boa história ambientada no Brasil, repleta de folclore, fantasia e personagens com alma? Leiam A Sombra dos Homens de Roberto de Souza Causo. Eu concedo apenas 2 penas-tinteiro (ou estrelas)para Anhangá – A Fúria do Demônio.
E esta é a humilde opinião de um escriba.
Nota: J. Modesto é também autor de Trevas, seu primeiro romance, publicado também pela Giz Editorial. Talvez este livro seja melhor acabado, mas depois de Anhangá eu não me arriscaria.
Para saber mais:
J. Modesto Oficial WebSite:blog do autor com informações pessoais e de suas obras (inclusive onde comprá-las). Desatualizado desde Maio de 2010.
As coisas que me acontecem, enternecem meu pobre coração.
Muito obrigado.
Nos anos 8O, eu ganhava prêmio na BIENAL DO LIVRO DE BELO HORIZONTE (que não sei se mudou de nome,…
Disse um dia aqui que escrevi livrinhos bens ruinzinhos, estava elogiando a LIGA. Não sei se graças a isso, tive…
Ei, Rosângela. Sim, o narrador é uma das vítimas. :) Abraço e obrigado pela leitura.