Três figuras encapuzadas atravessavam a passos largos as terras do interior ocidental dos Reinos Fronteiriços. O véu da noite era a única proteção contra a atenção indesejada naquele mar de colinas desabrigadas. Poucos enxergariam o misterioso trio ali; as nuvens, arautos das tempestades elétricas tão comuns naqueles ermos, intensificavam a escuridão. Não havia qualquer alma viva num raio de muitos quilômetros em todas as direções.
Um dia inteiro havia passado desde o início da marcha ininterrupta; seu propósito impelia os três a prosseguir obstinadamente. Dispunham de um bolsão com suprimentos suficientes para saciar a sede e a fome por alguns dias, mas outra de suas necessidades não seria facilmente atenuada em terras tão despovoadas: combate. Privar-se de uma boa e sangrenta peleja, porém, não era tão desalentador quanto enfrentar o vento gélido e cortante e o ribombar ensurdecedor dos trovões.
Desconfiado de que seus comandados estivessem tão incomodados quanto ele com a exposição ao mal tempo, Rarnar se convenceu a continuar com a busca. O mapa esfarrapado que trazia junto ao peito indicava que logo chegariam ao outeiro. Os rabiscos no pergaminho de pele de ovelha eram claros: um dia de jornada a partir do acampamento dos salteadores com os quais “negociaram” sua aquisição. Daí ter-se decidido por seguir ininterruptamente; isto, e também a declaração de um dos salteadores de que o mapa conduziria a uma tumba repleta de tesouros. O nome mencionado pelo moribundo ainda ressoava na mente de Rarnar: Torre Alta. Era como o xamã lhe havia revelado.
Um repentino clarão azul-esbranquiçado desafiou a escuridão. Raios iniciavam sua dança caótica por entre as nuvens, iluminando brevemente as colinas. Os primeiros pingos de chuva caíram e o vento pareceu esfriar ainda mais. A tempestade piorava. Rarnar lançou um olhar temeroso para o céu e depois para os dois subalternos. Exceto pelas armas, nenhum deles carregava outro metal que pudesse servir de alvo para um raio fortuito, mas isto não garantia a segurança naquele descampado.
Rarnar deslizou a mão por baixo do manto e do corselete de couro batido a procura do mapa. Analisando novamente os rabiscos, ele imaginou se os humanos fedorentos não tinham mentido para salvar a própria pele pálida e despelada. Por um instante, desejou ser capaz de ressuscitar os mortos apenas para ter o prazer de matar e devorar novamente as vísceras daqueles ladrões de estrada falsos. Teria sido a história um embuste? Preferia acreditar que não. Até onde sabia a Torre Alta não era um local famoso entre as outras raças. Mesmo entre os de seu povo havia muitas tribos que sequer ouviram falar daquele lugar sagrado. Não podia ser uma trapaça…
– Rarnar! Vê! Na frente!
Os berros o despertaram de seu devaneio, chamando sua atenção para o horizonte adiante. De início, não viu nada além de uma mancha negra extensa e impenetrável. Contudo, não demorou até que um raio cruzasse o céu e afastasse a escuridão, permitindo que os contornos cinzentos de um outeiro se tornassem visíveis para seus olhos apertados; sobre este parecia haver as ruínas de uma pequena torre.
Rarnar enrolou o mapa manchado com sangue, guardando-o sob o corselete. Esboçando um sorriso tortuoso com os lábios grossos e a boca repleta de presas afiadas, ele disse com voz gutural:
– Passo firme, rapazes! Achamos!
As três figuras monstruosas urraram num misto de satisfação e alívio. Rarnar os conduziu em ritmo acelerado na direção do outeiro, pensando em como aquele achado iria lhe proporcionar uma posição confortável em sua tribo. Ele até podia imaginar a satisfação no rosto do Honorável Chefe quando lhe anunciasse pessoalmente que a Torre Alta havia sido encontrada.
Continua…
Para saber mais:
- Reinos de Aventuras, histórias de fantasia: onde explico o modo como pretendo publicar esta série no blog.