Augusto Jorge Cury é um escritor brasileiro de renome. Considerado o maior sucesso comercial de 2005 pelo jornal Folha de S. Paulo, o autor foi listado diversas vezes entre os campeões de vendas, tornando-se conhecido mesmo por quem nunca leu um de seus inúmeros livros.
Particularmente, eu nunca me interessei pelos textos de Cury por considerá-los literatura de autoajuda, a qual não me agrada. Contudo, tendo sido presenteado por uma amiga com O Código da Inteligência, optei por deixar o preconceito de lado e dar uma chance ao autor.
Ignorando as informações da capa, típicas de um livro de autoajuda, eu surpreendi-me ao ler no prefácio que o Cury é “psiquiatra, pesquisador de psicologia, autor de uma das teorias mais disseminadas sobre o funcionamento da mente”. Nutri, assim, a expectativa de que a obra apresentaria fundamentos científicos, o que a diferenciaria tremendamente de outras do tipo.
Afora introdução e conclusão, o livro divide-se em três partes: os cinco capítulos iniciais são dedicados à Inteligência ou Psicologia Multifocal, teoria desenvolvida por Cury ao longo de mais de vinte anos “sobre o funcionamento da mente, a construção de pensamentos e o processo de formação de pensadores”; a segunda parte aborda, separadamente, cada uma das 4 armadilhas da mente que impossibilitam decifrar os códigos da inteligência; finalmente, a terceira parte trata dos códigos em si.
A abordagem da Inteligência Multifocal é o que o livro tem de mais interessante. Os conceitos de Registro Automático da Memória (RAM), Síndrome do Pensamento Acelerado (SPA) e outros me pareceram plausíveis (cientificamente) e familiares; senti-me como se já tivesse tido contato com estes antes.
Todavia, as outras partes do livro minguaram meu interesse e intensificaram a sensação de ter em mãos apenas mais um livro de autoajuda. A forma como o texto apresenta tópicos como conformismo e medo do reconhecimento de erros, por exemplo, não se diferencia em nada do modo como estes são abordados em diversos outros autores daquele tipo de literatura. Tudo aqui é lugar-comum, simplório e genérico demais para um pretenso livro de ciência aplicada.
É evidente que Cury se propõe a utilizar uma escrita adequada ao público leigo – recorrendo, inclusive, a múltiplas analogias – para explicar e exemplificar suas teorias. Contudo, não há (ou não fui capaz de identificar) qualquer fundamento científico ali; não há citações, referências a trabalhos de terceiros.
O autor se limita a citar personalidades históricas como Freud ou Jung, muitas vezes utilizando-as como exemplos de suas teorias.
Por outro lado, frases de efeito encontram lugar ao longo do livro, e ainda que se apresentem como construções literárias belas e momentaneamente inspiradoras, estas se revelam demasiadamente vazias ou subjetivas – outro exemplo típico de literatura de autoajuda. Fosse este um livro de ciência aplicada como defende o autor, eu esperaria, no mínimo, técnicas ou exercícios mais práticos, mais objetivos.
Pode-se argumentar que o livro assim se apresenta por ser a psicologia uma ciência humana, não exata. Desconheço qualquer fundamento de psicologia, nada sei sobre suas metodologias ou aplicações no cotidiano, porém, eu sei que, como ciência, esta também requer o mínimo de fundamento em pesquisas científicas – dar-se-á, assim, algum crédito ao assunto proposto. Em outras palavras, deveria haver algum esforço do autor para demonstrar algum rigor científico no texto, sem limitar-se somente a apresentar uma bibliografia após a conclusão.
O modo como o autor se repete em diversos momentos também prejudica a leitura, assim como sua constante autopromoção; Cury parece sugerir que a leitura de seus outros livros é imprescindível para que se compreenda melhor o tema deste – corrijam-me se eu estiver enganado, mas creio que nem todos abordam os mesmos assuntos.
De início, no primeiro capítulo, Cury defende que seus livros “são erroneamente classificados como autoajuda” e que há “gritantes diferenças entre um livro de autoajuda e um livro de ciência aplicada”. Infelizmente, neste caso, isto não corresponde à realidade.
Com um texto e exercícios excessivamente subjetivos, repleto de frases de efeito vazias, e sem fundamentação científica aparente, O Código da Inteligência é, sim, uma obra de autoajuda. Assim, eu concedo somente 1 pena-tinteiro (ou estrela) para O Código da Inteligência.
E esta é a humilde opinão de um escriba.
- Augusto Cury é uma figura inusitada e polêmica. Ainda que seja um sucesso indiscutível de vendas, seus livros e teorias são criticados por profissionais e estudiosos de psicologia por apresentarem pouco ou nenhum rigor científico.
- O autor também é famoso por sua imodéstia (certa vez afirmou que sua teoria revolucionará a humanidade, sendo tão complexa que poucas pessoas conseguem compreendê-la) e por suas declarações infundadas (ele já defendeu que a terapia multifocal é capaz de curar o autismo).
- Eu recomendo a leitura dos textos indicados a seguir; estes apresentam os pontos de vista de profissionais do ramo sobre a figura de Augusto Cury, bem como algumas polêmicas envolvendo o autor.
Para saber mais:
- Augusto Cury: site oficial do autor; saiba mais sobre o mesmo, seus livros, projetos, agenda e deixe um recado para o mesmo.
- @Augustocury: siga o autor no Twitter e acompanhe o que ele tem a dizer.
- Sucesso comercial: artigo publicado pela Folha de São Paulo em 2005 sobre o autor e seu trabalho.
- Mestre da imódestia: artigo polêmico publicado pela revista Veja em 2006 sobre o autor e seu trabalho; várias de suas pérolas são citadas.
- Guru renegado: artigo publicado pela revista Veja em 2009 sobre Cury ser o guru de Marina Silva, candidata à presidência na época.
- Literatura de autoajuda: texto excelente do psicólogo Adriano Facioli sobre autoajuda e Augusto Cury publicado no portal RedePsi.
- As razões da auto-ajuda: outro excelente texto sobre autoajuda publicado no editorial de educação do portal Terra.
As coisas que me acontecem, enternecem meu pobre coração.
Muito obrigado.
Nos anos 8O, eu ganhava prêmio na BIENAL DO LIVRO DE BELO HORIZONTE (que não sei se mudou de nome,…
Disse um dia aqui que escrevi livrinhos bens ruinzinhos, estava elogiando a LIGA. Não sei se graças a isso, tive…
Ei, Rosângela. Sim, o narrador é uma das vítimas. :) Abraço e obrigado pela leitura.