Outro dia, enquanto passeava por uma livraria, eu notei uma conversa entre dois amigos. Um deles tinha em mãos A Guerra dos Tronos, o primeiro volume da série de fantasia de George R. R. Martin. Ele falava sobre a história, o autor, e a série de TV, achando um absurdo que o outro não os conhecesse e decidido a convencê-lo a comprar o livro.
Dentre os muitos argumentos utilizados pelo primeiro, que chamarei apenas de marqueteiro, o mais curioso foi: “se gostou d’O Senhor dos Anéis não tem como não gostar deste. O Martin se inspirou no próprio Tolkien”. A resposta pouco convencida e questionadora do outro foi esta: “e quem disse que gostei de Senhor dos Anéis? Curti demais os filmes, muito massa, mas os livros? Nem passei do primeiro”.
Com aquilo na mente, eu me afastei. Circulando pelo lugar, apanhei alguns livros de gêneros semelhantes, li suas capas e contracapas. Então percebi que o argumento do marqueteiro é mais comum do que parece e que há muita verdade na resposta do questionador – exceto pela crítica “velada” a Tolkien, seu maldito herege!
Comparações deste tipo não têm fundamento, não passam de estratégias comerciais baratas e apelativas. Afirmar que quem gostou da saga de Harry Potter vai adorar os livros de Percy Jackson, por exemplo, não faz mesmo sentido. Um fã de Stephenie Meyer (Crepúsculo) talvez não goste de E. L. James (Fifty Shades of Grey), mesmo esta tendo se inspirado naquela.
Particularmente, conheço quem ache Tolkien moroso e odeie sua obra mais famosa, mas que se apaixonou pelos livros de Martin. Como isso é possível? Ora, é simples: cada autor é único e tem as próprias armas para cativar (ou não) os leitores. Não se pode colocar todos no mesmo pacote apenas porque escrevem o mesmo gênero.
O argumento do marqueteiro rui por completo quando constatamos que não se aplica nem aos trabalhos de um mesmo escritor. Antes de sequer conhecer a existência do O Senhor dos Anéis, li O Hobbit e gostei muito. O apelo do marketing me conduziu para a trilogia, da qual eu esperava nada menos do que a perfeição. Mas não foi bem assim.
Não há como negar que a trama é fantástica. Contudo, eu também não encarei facilmente a primeira metade de A Sociedade do Anel. Minhas impressões melhoraram em As Duas Torres, mas sofreram um abalo em O Retorno do Rei. Contudo, no geral, fiquei satisfeito o bastante para experimentar O Silmarillion, novamente seduzido pelos marqueteiros.
Até hoje não cheguei sequer à metade deste livro – já tentei por três vezes, em momentos distintíssimos da vida, por achar-me ainda imaturo para apreciá-lo. Como explicar? É culpa do filho de Tolkien, responsável por remendar as histórias inacabadas deixadas pelo pai falecido? Talvez, mas para mim esta é uma desculpa esfarrapada.
O Hobbit me conduziu a O Senhor dos Anéis e este a O Silmarillion, e, ao longo do caminho, o nível de encantamento pelo escritor diminuiu. Mas isto está errado, não? Ao gostar dos livros de Tolkien eu não deveria gostar de outros cujos autores se inspiraram neste? Como, então, é possível que eu não goste de outros trabalhos do próprio Tolkien?
Não sei, é um mistério. A questão aqui é não se deixar influenciar por este argumento frágil, nem para o bem nem para o mal. Trata-se de não ler nem deixar de ler algo porque gostou ou não do livro de mesmo gênero de outro (ou do mesmo) escritor.
Não se deve julgar antes de conhecer detalhes sobre a obra, opiniões de outros leitores. Se ainda assim achar que vale ou não a pena arriscar, ótimo. O importante é ser questionador.
Para saber mais:
- J.R.R. Tolkien X George R. R. Martin: episódio especial do Literatus Cast, podcast do site Homo Literatus.
Grande, Escriba!
Vim aqui para elogiar a ótima crônica e agradecer pela citação do LiteratusCast.
Grande abraço e parabéns pelo trabalho!
Vilton,
Eu é quem devo agradecer pelo excelente trabalho que tanto no Homo Literatus quanto no LiteratusCast.
Já escutei alguns episódios, em especial os da série “Vida de Escritor”; excelentes.
Pretendo acompanhá-lo com frequência agora que o descobri.
Também espero vê-lo mais por aqui.
🙂
Abraços,
Fico feliz por ouvir isso, Escriba.
Sem dúvidas, voltarei.
Abraços!
Outras crônicas:
1. E o que tem de complicado?
2. Inspiração Efêmera
4. Vendo a vida passar
Esse tipo de marketing é muito utilizado em muitos setores e em minha opinião é uma forma de merchandising apelativa. Busca-se chamar atenção a um produto em questão se valendo da fama que outro conquistou.
Mesmo até quando um produto não tem nada a ver com o outro, compartilhando somente o criador. “Do mesmo criador de Titanic, assista Avatar!”. Como se fosse garantia de sucesso só porque certa obra foi feita pelo mesmo criador, ou segue o mesmo gênero.
O sucesso de uma obra vai muito de cada indivíduo ou do momento de inspiração deste, já que mesmo um autor pode acertar aqui e errar ali.
Na verdade, vai muito da sua cabeça, pois é você quem vai determinar na sua cachola se tal obra é boa ou é ruim – sou fã de Bernard Cornwell, mas não curto a saga Sharpe, não querendo dizer com isso que ele errou a mão, só não me agradou. Bastardo!.
O segredo mesmo é não se deixar levar muito por propagandas desse tipo e julgar por si mesmo se a obra vale ou não uma oportunidade.
“Dos criadores de Pizza, coma Cachorro Quente!”.
Profilático,
Suas considerações são interessantes e complementam exatamente minhas intenções ao escrever este artigo.
Espero ver mais comentários seus tão elaborados quanto este por aqui. Continue acompanhando o blog, está bem?
Abraços,
T.K.,
De fato, sinto o mesmo em relação a Tolkien. Não consegui ler os livros, talvez por que a história já tivesse se tornado parte do nosso inconsciente coletivo; nem tanto só por causa da trilogia “SdA”, mas as outras coisas que ele influenciou, já que a maioria dos filmes de temática fantástica hollywoodiana bebe na fonte de Tolkien.
Quanto ao Martin, estou na metade do quinto livro e confesso que estou gostando cada vez MENOS da história. O quarto livro foi um martírio para terminar; com algumas grandessíssimas exceções, você pode pular logo pro quinto sem ler “O Festim dos Corvos” e não vai fazer diferença nenhuma.
Mas concordo contigo no tocante à comparação absurda entre autores para justificar vendas que esse povo de livraria faz para convencer os compradores. A melhor forma de decidir-se ou não por um livro é, como sempre, sentar e ler as primeiras páginas; se te interessar, vale a pena comprar.
Parabéns pelo blog!
Fernando,
Ainda não pude constatar por conta própria, mas muitos têm dito que a qualidade das “Crônicas de Gelo e Fogo” despenca depois do terceiro livro, que é considerado o ápice do trabalho de Martin. Apesar disto, pretendo verificar por conta própria. 😉
Espero ver mais comentários seus por aqui.
Abraços,
T.,
Minha opinião é muito próxima à sua; a questão é que, às vezes, acredito, as pessoas se esquecem de qual é o propósito de tudo: entretenimento, informação, e imaginação.
Não sou crítica de literatura (e nunca desejo ser), pois eu leio porque quero me transportar para uma nova história, acompanhar os personagens e exercitar minha imaginação, e não julgar se a história parece ou não com outra.
As pessoas ficam preocupadas em colocar rótulos nas coisas, fazer comparações; cada coisa é uma coisa, assim como cada pessoa é diferente e se sente diferente frente a determinadas histórias/circunstâncias.
É claro que existem coisas melhor “escritas” do que outras, mas o importante é a qualidade da história, o quanto ela te envolve, te emociona, te transporta para outro mundo.
Já li quase todos os livros que você citou acima, com exceção dos do Tolkien – exatamente por achar que o texto não me proporcionou uma história que me prendesse e me fizesse andar pelas páginas. Reconheço que o texto é muito rico, bem escrito e detalhado, mas não interessou; só isso. Que me joguem a primeira pedra. Hehehehe (mas eu amei os filmes!).
Cada um é um, não tem comparação!
Anie,
Você captou exatamente a mensagem que eu quis passar. E não se preocupe, eu a perdoo por não gostar de Tolkien – mas só porque você assistiu aos filmes, hein? 😉
Abraços,
Concordo plenamente, Escriba. A cada dia me torno mais fã do Martin, e “A Sociedade do Anel” foi o único livro em toda a minha vida que larguei no meio (mesmo tendo terminado “O Apanhador no Campo de Centeio”!). Cada um é cada um. Não poderia pensar em um título melhor. Parabéns!
Obrigado, srta. Otero. Bem sabe que uma avaliação positiva sua conta muito para mim – não poderia haver melhor indicador de que sigo no caminho certo.
“O Apanhador no Campo de Centeio”. Taí um livro do qual ouço falar desde sempre, mas que nunca li. Você o recomenda?
Abraços,
Nããão recomendo! De maneira nenhuma! Mas não confie no meu julgamento. Li o livro com 14 anos porque ouvi dizer que a obra tinha inspirado o assassinato de John Lennon. Obviamente, não entendi o porquê e talvez não estivesse preparada para o conteúdo.
“Afirmar que quem gostou da saga de Harry Potter vai adorar os livros de Percy Jackson, por exemplo, não faz mesmo sentido.”
Engraçado ler isso aqui; foi exatamente esse o argumento de um pai enquanto conversávamos dentro de uma livraria. Acabei por comprar a coleção. Por sorte meus filhos gostaram.
Vou me atentar mais a esse tipo de argumento a partir de agora.
Estou com vontade de ler a série de George R. R. Martin, e até me policiei para não assistir a série de TV. Confesso que depois de ver o filme, série ou trilogia acabo perdendo a vontade de ler o livro a respeito. Fica aquele gosto de “já sei o que vai acontecer”. Foi assim com “Harry Potter” e “Senhor dos Anéis”.
Simone,
Particularmente, eu não gostei tanto de “O Ladrão de Raios” quanto gostei de “A Pedra Filosofal”, tanto que não tive vontade alguma de ler o segundo livro da série “Percy Jackson”. Mas, ei, nem tudo na vida é absoluto, não é mesmo? 🙂
Também não costumo ver filmes ou séries inspiradas em livros antes de lê-los, mas com a enxurrada de adaptações cinematográficas nos últimos anos e a atribulada vida cotidiana, evitar fazê-lo é um desafio.
Recomendo que comece logo a ler “As Crônicas de Gelo e Fogo”, pois está cada vez mais difícil driblar os spoilers – os Starks, Lannisters e cia estão por toda parte!
Abraço,