De pé sob o sol escaldante, retiro o celular do bolso e confiro o relógio. Lá se vão mais quinze minutos da minha vida. Impaciente, busco a confirmação dos dígitos no visor: o motorista está atrasado, de novo. Praguejo em voz alta sem temer que me ouçam, afinal, não há vivalma no ponto.
De nada adiantou desembestar morro abaixo, resfolegando e pingando suor. Estranho como as coisas, às vezes, acontecem: tivesse seguido sem afobação, eu chegaria bem a tempo… de ver o ônibus passar à toda por mim, com o motorista a ignorar meus acenos frenéticos, como ocorrera tantas outras vezes.
Súbito me vem à mente certa lei universal; novamente questiono se seu formulador não teria percebido a existência de uma força oculta a permear a realidade com o propósito de galhofar conosco diariamente.
Outros cinco minutos me escapam. Olho em volta, suspirando pesadamente. Vejo o matagal alto e poluído, um vira-lata a vagar sem rumo, o caos barulhento da obra próxima; na estrada poeirenta, carros de vários tipos – mas nenhum ônibus – alternam-se em ambos os sentidos.
Noto um resquício de sombra projetada pela placa de identificação do ponto. Buscando seu abrigo, retiro a mochila das costas e apanho um livro. Permito-me entreter com a leitura por alguns minutos e percebo, tarde demais, um grande vulto vermelho e branco passar a mais de noventa por hora ao meu lado: o maldito ônibus!
Exasperado, espanto mais alguns minutos com meus impropérios. Guardo o livro com fúria e, respirando fundo, apanho o fone de ouvido do celular. Quarenta minutos mais tarde, a lista de músicas já se repete pela terceira vez. Comprometendo-me a atualizá-la o quanto antes, eu percorro as estações de rádio, mas nada me agrada.
Guardando o aparelho, noto a aproximação de um homem esbaforido, suado. Respondo ao seu cumprimento, mas evito como posso as suas tentativas de puxar conversa – não o conheço nem estou com saco para ouvir sobre suas dificuldades. Quando penso que sua insistência não terá fim, avisto ao longe o bendito ônibus.
O contentamento logo dá lugar à lamúria: uma multidão se amontoa dentro do veículo. Sem alternativa, submeto-me a mais esta provação. Espremendo-me, encontro espaço entre uma senhora com sacolas de supermercado jogadas aos pés e um gigante musculoso cujo cotovelo paira ameaçadoramente sobre minha cabeça.
Sem espaço para apanhar o celular ou o livro, nem disposição para conversas, permito-me a listar, mentalmente, as razões pelas quais detesto tanto as viagens de ônibus: passagens caras, veículos mal cuidados, desrespeito e incivilidade. Nada, porém, é pior que a inanidade, a total e absoluta falta do que fazer.
Quanto tempo precioso é perdido nas longas esperas e durante as viagens, prolongadas não só pelas paradas constantes, mas também pelo trânsito cada vez mais caótico das metrópoles. A lotação torna tudo mais penoso, afinal, com a atmosfera pesada de odores e calor e pessoas sendo atiradas pelas janelas, quem terá disposição para desfrutar de uma leitura, música ou boa conversa?
Minha mente é invadida pelas lembranças de atividades pendentes: as etapas do projeto, os estudos, a consulta ao médico, o favor ao amigo. Então, suspiro pelo que deve ser a vigésima vez naquela tarde e afasto qualquer pensamento. Inconscientemente, coloco-me num estado de torpor e torno-me como os demais passageiros, apenas outro zumbi a caminho do trabalho.
Por todo o trajeto restante, resigno-me a ver a vida passar através da janela suja.
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